sábado, 8 de setembro de 2012

[O céu de Suely] Azul e abrangente como a liberdade




“Eu fiquei grávida num domingo de manhã. Tinha um cobertor azul de lã escura. Mateus me pegou pelo braço e disse que ia me fazer a pessoa mais feliz do mundo. Me deu um CD gravado, com todas as músicas que eu mais gostava. Ele disse que ia casar comigo. Ou então, morrer afogado”. Azul e abrangente, como o céu, é a voz terna de Hermila, personagem principal de O céu de Suely. Devagar, a menina corre na praia e abre o filme do diretor cearense Karim Aïnouz. As lembranças de amor seguem, regadas por Diana, com Tudo que eu tenho

De repente, as cenas lentas são cortadas pelo close no olhar. Tristeza que vê paisagens em movimento, embalada pelo choro da criança. Ela, Hermila, voltara com o filho Mateus, de São Paulo. Em Iguatu, interior do Ceará, sua cidade natal, enfrenta o calor e o choro do filho. O calor que assusta Mateus, também a irrita. “Tem vezes que tenho vontade de deixar ele no mato e sair correndo”, confessa á tia. O marido viria em um mês. Viria. Um mês se passa e ele não vem. A frustração do êxodo rural se enlaça com a dor do abandono. A felicidade que denotava reinicio, se torna tristeza. O homem, livre, simplesmente, desampara. Ela também quer fugir. Pra longe. Para o local mais longe que a rodoviária ofereça.


A decepção, a criança, os 21 anos de idade e as dúvidas dão à Hermila anseios. Precisa juntar dinheiro para sair dali, para onde for mais distante. Ela, sozinha, resolve rifar mais que as garrafas de whisk que já estava acostumada. Promete uma noite no Paraíso, com seu corpo por prêmio. Vinte reais cada ponto na rifa. É latente como a prostituição se faz vista pela cidade de interior, por um viés moral, tradicionalista, que criminaliza a mulher, sem entender contextos. Reconhecida pelas mechas loiras no cabelo curto, levanta a fúria daquela cultura machista. Ela, diferente, como quem perdeu algo por onde foi, vai até o fim.

O Céu de Suely não é de final feliz. Teve sua estreia na Itália, no Festival de Veneza 2006. Prata da terra, o cearense Aïnouz que também dirigiu Madame Satã e Abril Despedaçado, deu um belo filme ao cinema contemporâneo. Na trama, as mulheres são protagonistas. A avó, que sempre lutou para manter a casa, se sente desrespeitada com a atitude de Hermila. Matriarca, formada naquela mesma cultura machista, se vê olhada diferente pelos vizinhos, e expulsa Hermila.

A moça vai morar com a amiga da tia, mas depois volta para casa. Efeito bokeh, noites e movimentos de câmera trazem um tempo confuso, arrastado, como os pensamentos de Hermila. A noite com o ganhador da rifa chega. É um sexo de sofrimento, desajeitado. Chega também a hora de partir. A estrada, e mais uma vez o céu, azul e abrangente, compõe o cenário no qual o ônibus de Hermila parte, com toda a determinação. O fim nega a premissa que ela precisa estar com alguém para ser feliz. Ela não volta na garupa do namorado de infância que corre atrás do ônibus, como Hollywood exigiria. Ao ir para longe, mesmo banhada de incertezas, a “mocinha” se faz livre e segue suas próprias escolhas.


:::O céu de Suely
Gênero: drama
Duração: 90 min.
Ano: 2006

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