Imagem: Stephen Wright |
Houve um tempo em que a felicidade era tão repetida, que
precisava de tristeza para estar alegre. Flor se sentiu repleta demais, com
aquela fofura toda. Estavam casal. E aquilo era tão brega quanto as frases que
diziam um ao outro. Ela perdera, até mesmo, o mistério de esconder-lhe o
necessário. No fundo, sentia que o amor apitava e dizia que era dúvida, sempre.
Diálogos e dias repetidos, profundezas superficiais. Tal qual em paraíso
monótono, ela se escondia naquela barba mal feita, em longos respiros. Nem
sequer tinham tempos ou saudades.
E como que atendendo ao pedido, que seu inconsciente talvez fizesse,
o travesso destino deu-lhe dor. Em dia-rotina, plena terça-feira, foi-lhe o
coração acerta-lhe a mente com presságios. A música que falava de lealdade
açoitava-lhe os ouvidos. Uma tristeza de futura causa a assolou.
Golpe de voadora, um sms falou o que o peito já sentira mais
cedo, mas o sentimento inacreditava. Outra mulher, que não ela, tinha sido
dele. Sim, e a avisara por mensagem de texto, um jeito frio e macabro de fazer
o seu corpo tremer. A conversa entre as duas caminhou. Sem trocas de farpas, pois
Flor pediu-lhe dignidade. O conflito surgiu, a verdade apertou seu semblante.
Verdes colheram verdades. A confissão veio em entrelinhas. Aquele
rapaz, com quem se fazia inteira, agora arrancara-lhe um pedaço. Um dia, e a
noite foi longa. Por um instante, pensou que sentimentos ruins habitavam a
barriga, e, não o peito. Teve aquela garra que aperta o estômago, esmagando qualquer
sentir, afligindo-a. Lembrou de coisas, decidiu-se. Resolveu dar-lhe uma
chance, por motivos que nunca imaginou ter.
- A vergonha é sua, mas eu te amo.
- O que isso quer dizer?
- Que podemos tentar.
- Mas você quer mesmo?
- Sim, você não quer?
Silêncio na linha. Ela enraiveceu-se.
- Hein? Responde.
- Estou confuso...
- Você? Você está confuso? Ah! Bom, acho que o melhor é
deixarmos por aqui.
O silêncio seguiu o desligar. Ali, ela naturalizou a ideia
de estar solteira, de sentir-se livre para amar quem quisesse. Quase ficou
feliz. Foi quando o telefone tocou, novamente. Ele soltou:
- Meu amor é seu, mas ainda não é o que pretendo sentir.
- Hum...
- Mas eu te amo, amo como nunca antes...
- Eu só queria entender o porquê. Queria sexo? Queria uma
coisinha diferente? O que era?
- Com ela, eu não poderia te explicar, você não entenderia.
- Só quero uma explicação, nem que ela não explique...
- Não foi como com você. Eu a humilhei...
Os detalhes a abalaram. As coisas ficavam, cada vez, piores.
Ele a assustou. Como poderia aquilo? E como ela, ainda, sentia uma vontade
enorme de perdão?
- Me perdoe, meu amor. Não consigo viver sem você.
A voz dele estava diferente. Interna.
- Ok. Mas entenda, quando os erros se repetem, o perdão fica
cansado.
- Te juro, que tentarei ser melhor do que sempre fui para
você.
- Sua alma é livre e solitária, eu sei. Vejamos no que dá.
- Você me faz muito feliz, mas não mude comigo, por favor.
Porque o carinho que tenho por ti é, naturalmente, reflexo do teu amor, do
jeito que me olha, que sorri, que me toca. Por favor, continue você.
- Eu acho que um dia você vai sumir da minha vida, como quem
foi comprar cigarro...
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