domingo, 26 de fevereiro de 2012

Círculo


O ventre cresce em formato de bola e acolhe a vida. A vida vem e escorrega pra vida, já no grito que antecede a luta. Pois a luta é como um círculo já de início, e posto que ela não tem fim, tal qual o círculo, o olho enxerga a luz que o guiará.

Vem pressa vida bela e injusta. Onde as gotas cairão, seja do olho redondo, seja do céu-horizonte que mal cabe num só olhar. Mundo que reduz a imensidão do luar círculo, tal qual o astro que sobe de dia e clareia as mesmas vistas redondas.

Abraço, alto-falante, mandala, circo. Tudo gira, e o que gira deixa a vida loki, linda, como o tempo que passa porque a terra gira, entre um tapa e destapa de luz. Êta mundinho-bola que te chuta pra aventura diária da repetição. Indo ali, dormir um sonho. Pensar que amanhã a vida pode ter um buraquinho, de onde escorre felicidade. Tamanha.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

[Amor em tempo de redes sociais] Capítulo 3 - O encontro




Eram oito e quinze da noite e o ônibus parava mais uma vez frente à máquina piscante de três cores. Como amava o vermelho. Todavia, naquele instante, era frustrante vê-lo dar ordem aos carros. Motoristas suando a deixavam nervosa naquele aperto de olhar a rua impaciente. A maquiagem dali a pouco escorreria-lhe face afora e nada poderia ser feito. Lembrou que faltava apenas um quarteirão até que o ônibus alcançasse a parada em que ela iria descer. Animou-se. Lembrou junto, da cara de tacho charmosa e vibrante do pierrot que a esperava. Desceu.

- Desculpa o atraso. Sabe como é trânsito nessa cidade. Você chegou agora?
- Não se preocupe, minha flor. Na verdade, eu tô aqui desde as quatro da tarde. Vim mais cedo pra assistir ao filme do Fellini, ali no Cineclube.
- Humm... E qual era?
- 8 ½. Já viu?
- Não, esse só baixei. Não assisti ainda. Gosto de E La Nave Va e d’Os Palhaços.
- Dormi no E La Nave Va, vou nem mentir. Mas chorei n’Os Palhaços. Muito tocante.
- Ave! Gosto dos dois. Mas mais do que do Fellini, gosto do Almodóvar.
- Sim. As cores de Almodovar me atraem, vermelho... Kika, Volver, Tudo sobre minha mãe, e agora, esse último...
- A pele que habito. Intrigante.
- Demais. Crise existencial total!
- Crise existencial? Tu acha?
- Minha subjetividade lascou-se com ele. Todo aquele ódio, os erros, a loucura... Mexem com a gente.
- Eu sei. Mas típico do Môdovazim.
- Môdovazim?
- É. Gosto muito dele. Também gosto do vermelho. Aí, pronto.
- E a sua calcinha é vermelha?
- Hã?
- A sua calcinha é vermelha?
- Olha garoto, num é porque eu topei sair com você que você vai me levar para a cama não, viu? E que vulgar, falar essas coisas. Oxi!
- Hã? Eu só perguntei se sua calcinha é vermelha.
- Só? Acha pouco?
- Xiiiii... Você é uma libertária muito conservadora, minha filha. Eu só perguntei se sua calcinha era vermelha. Não vejo nada demais nisso. A não ser que eu tenha acertado, o que, por conseguinte, lhe deixou assim tão ou mais vermelha que a dita calcinha da questão.

E uma raiva frenética estuprou-lhe os poros e quis sair pela boca, num grito escrachado. Mas não. Ela conteve-se, porque ele realmente tinha razão. Na cor, no constrangimento. Era um aborrecimento atraente, com aqueles olhos apertados, fitando-a maliciosos. Contendo-se, sentou no banco próximo de onde passavam.

- Tudo bem, tudo bem. Eu não vou fazer desse encontro um momento de auto-flagelo. Não vou brigar com você.
- Vixi, como tu estica a baladeira, mulher. A gente tá só conversando.

Aquilo só podia ser brincadeira, pensou. Enfrentara quarenta minutos num trânsito lesmático, já tendo aceitado o pedido absurdo de vir ver esse rapaz tresloucado que quase vira morrer atropelado na semana anterior, pra ele vir falar aquilo? Respirou fundo.

- Você sabe o que está dizendo, gato. E faz com algum propósito. Enfim, o que a gente vai fazer? Só ficar passeando por aqui mesmo? Comer alguma coisa? Ver um filme, teatro, exposição?
- O que você quer?
- Eu tô com fome.
- Vamos.

Lancharam e a conversa amenizou-se, pelo menos enquanto a batata frita extinguia-se do saquinho. Falaram de cinema, festas, movimentos artísticos e tudo mais que os linkava. Vez ou outra, ela tirava o celular da bolsa, com o intuito de verificar novas atualizações no feed de notícias ou ver se não tinha novas mensagens. Os olhos dele a criminalizavam por isso.

- Será que tu sobreviveria sem ele?
- Sem ele quem?
- Sem o Facebook.
- Ah, claro! É questão de hábito. Se passo algum tempo sem, passo bem. Mas quando volto, tenho necessidade.
- Humm... Novas drogas! E de quais tu gosta?
- Quais o quê?
- Quais drogas, gatinha?
- Não curto.
- Humm... Achei que curtia. Não essas, né? Só curte e vibra com as coisas, virtualmente?
- Claro que não. Até acho isso de só curtir positivo demais. Deveriamos descurtir e tal.
- É verdade. Só o comentário serve pra isso. Paia. Eu acho que essa rede paz e amor, azulzinha e tal, com conformismos virtuais bem encaixotadinhos num design minimalista tá assumindo um papel muito forte na sua vida.
- Ah, você acha?
- Sim. Vi suas últimas atualizações, e o intervalo entre uma e outra é bem curto. Você quase não tem tempo pra viver o que compartilha.
- Muito bom ter especialistas que avaliam meu comportamento virtual, com tanta perspicácia. Assim não preciso me preocupar.
- Às ordens! E outra coisa...

A outra metade da frase misturou-se entre as línguas ainda com gosto de coca-cola geladíssima. Ele a irritava de tal forma que Flor não se conteve em avançar naquele beijo, de pura necessidade. Sôfregos, recompuseram-se nos seus lugares, após três minutos-eternidade, e no tempo-depois que se colocou após aquela delícia de beijo.

- Tá, adorei seu protagonismo feminino.
- É? E se tu me beijasse em vez de ficar de lenga lenga ai, seria protagonismo masculino?
- Tudo bem, me pegou. Tava com medo de que você não quisesse.

Ela o olhou profundo e lento, levantou-se, segurou sua mão.

- Vamos?
- Você quer ir pra onde agora?

Ela apenas sorriu. Naquele minuto, a frase do livro de Vargas Llosa que lera na semana anterior, lhe veio a mente: “o segredo da felicidade, ou pelo menos da tranquilidade, é saber separar o sexo do amor. E se possível, eliminar o amor romântico da sua vida, que é o que faz sofrer”. E porque pensar naquilo agora? Quem estava falando de amor? O intuito era a outra coisa. Eles foram.

E nem sempre...
A verdade é apenas um grito estúpido da imaginação. Que pode se desfazer feliz num sopro de vento. Ela ali, embaixo, pensou. Ele estava dentro dela, físico, formal, sentimento. Por um instante, a moça, esmagada prazerosamente pelo peso do grande rapaz, desejou sussurrar em seu ouvido as palavras já tão ditas pelas camas do mundo: eu te amo. E como vindo de um fundo bem lá embaixo de sua alma, voltou sincero como veio, e ela continuou a aproveitar o momento. Não chegava aquilo a ser um momento, posto que a duração era tamanha e inesquecível, pungente. Aproveitou.

O telefone tocou. Ela foi atender. Ele pediu que não.

- Alô...

- Preciso ir.

E foi.

- Quando vamos nos ver de novo?
- Agora tenho seu número.

Vestiram-se e ele a deixou na esquina que ela pediu. Despediram-se sem beijo. Ela teve medo.

Que possamos!

“Las mujeres dibujaban sus palabras
en ropas y abanicos. Las manos que los
bordaban no eran libres. Los signos, sí”.
Eduardo Galeano:::
Espejos – Una historia casi universal




Sim, sim! Corram, corram os estereótipos. Das nossas mentes, das nossas bocas, das nossas vidas. Piriguetes, peruas, românticas, patricinhas, rockeiras, neo-hippies, recatadas: somos todas mulheres. Nós usamos a roupa que queremos, porque antes de nós, lutaram por isso. Mas hoje... Hoje dizem que temos liberdade pra fazer o que quisermos. Temos? Os olhares, os posts e as piadinhas machistas não confirmam nossa liberdade. Somos livres, sim. Somos! E por isso, mostremos que somos. Nas roupas, nos atos, nas ruas. Fechemos bocas, abramos mentes, estiquemos braços.

Somos flores variadas que se inflam por prazeres de vida. Somos gente, e ao contrário do que dizem por ai, não queremos passar homens, subir, pisar. Nossa força é a união histórica de olhares. A ideia absurdamente perfeita de que somos iguais, não importando o gênero. Temos voto e participação política, mas queremos mais. Queremos caminhar ao lado, ter prazer junto, quebrar mitos. Queremos mais políticas de saúde e menos revistas pra conquistar machos. Mais emancipação política e menos falso poderio feminino. Mais orgasmos múltiplos e menos violências escrachadas e aceitas. Nos quartos, nas palavras, nas TVs. Mais flores, companheirismo, amores correspondidos. Mais amor livre e soltinho. Posto que somos Simones, Marias...

Não, feminismo não é femismo. É só o entender que existe uma dívida histórica e que é preciso saná-la. É a busca da liberdade de escolha. Escolha pelo lar ou o não-lar, pela cria ou a não-cria, pelo homem ou pela mulher. É agir sem amarras. A opressão nos ensina a coerência pelo anti-exemplo. Sofremos sacramentadas dores falidas. Mas o tempo de enxergar as contradições sempre foi o agora. Que acendamos nossos olhos, com ou sem maquiagem, à la vonté.

Que possamos ser lindas de shorts curtos ou grandes saias. Que não sejamos produtos, frutas ou carne apenas. Que possamos escolher ter ou não família. Que possamos ser piranhas de bom sentimento. Que possamos usar decotes e corações cheios. E que façamos isso por refletir e achar o certo. Que não herdemos as dores do mundo pelo fruto que não comemos. Que não abramos caixas escuras pelo ciúme que não sentimos. Que possamos abrir nossas pernas pra quem quisermos, se quisermos, sem choques ou taxamentos. Sim, que possamos. Que não nos calemos.

Negras, brancas, rosas, marrons, noites, dias, casas, calçadas. Que sejamos nossas, assim como nosso pensamento e vontade.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Irmão libriano


- Irmão, traz água pra mim?
- Ai, meu Deus!
- Ownn irmão, por favor...

Silêncio.

- Te dou dez centavos.
- Pufff!
- Cinquenta centavos.

Silêncio.

- Um real, irmão!
- EU NÃO QUERO DINHEIRO! Grita ele da sala.

Silêncio. Ela retoma o que estava fazendo e esquece a sede. Breve tempo depois, a porta se abre. Um copo d’água lhe é oferecido.

- É a mais gelada que tem.

Seus olhos brilham. Librianos de 12 anos... Irmão fofinho. ^^