sábado, 29 de setembro de 2012

[Amor em tempos de redes sociais] Capítulo 7 – A agonia


Carnaval de Arlequin - Jean Miró

Vou jogar Mário Bros até de madrugada pra ver se enxugo essas lágrimas, ou mesmo, resseco elas com o brilho medonho desse colorido virtual, pensou. O filme que ele indicara numa conversa tacanha, de uma rotina normal, amorzinho, paixão, a fez chorar, compulsiva, latente, tempestade. E vieram cem, sete lembranças. E ela pensou que jamais ia esquecer. E pensou em fugir, mas não tinha pra onde. Poderia afundar-se numa linha de tempo e publicar imagens chorosas de cores frias. Poderia postar pontuações que simbolizavam tristeza. Poderia piar citações viscerais e gritar, silenciosamente daquela tela, uma depressão que nem precisava ter.

Ele fora dormir. Avisara por sms. E ela ficou ali, pensando. Pensou que pensar era a coisa mais terrível do mundo para os relacionamentos. Quando tudo era perfeito, caia-se a vontade de que o drama deveria imperar, vingar, destruir. E, com isso, o então viria. Cheio de novos, pormenores. Contudo, haviam as lembranças tristes que a faziam pintar as unhas de negro ou de pálido. Ou de negro e pálido. Refrescou-se num suspiro e recordou alegria. Sabia que poderia estar com outro, mas o querer dela era tão dele que até subjulgara-se, por vezes. Lembrou de quando podia controlar-se. Fechar uma janelinha apenas e dormir tranquila. Agora não. Condenou-se. Podia fechar janelinha, mas a angústia se ia pra cama com ela, apertando gogó, cantando Bethânia, chorosa.

E ela, que fora forte, que perdoara, que sentiu frieza, racionalidades, enquanto comia batata-frita em motel de quinta, e nem sequer derretera-se em água e sal, desabou. Quando o choro é tempestade, nem mesmo pular em cogumelos de pixels o contém. Nem podia ligar para ele, abalar segurança. Nem podia dizer para ele que perdoar doía. Ela estava ali, tentando ser feliz, mas a memória era má.

Tinha um coração e um teclado. Tinha uma tela que se abria para o mundo. Mas o mundo, aquele mundo de hipertextos, tinha muito dele. As buscas eram recheadas das suas palavras-chaves, quando distrações. Mesmo que um clique fizesse saltar uma nova janela, alguma substância nervosa dentro dela a fazia voltar e digitar o nome, já tão banal, e stalkear. Digitava e o rostinho quadrado surgia. Era tempo de um novo clique e já ia para a tela de representações dele. Uma tela cheia dela. Ele não gostava de expor muito. Tinha seus porquês. E isso a agoniava.

- Amor, o que você está fazendo?
- Filme.
- Hum.

Ele gostava de dizer hum.

- Você me ama?
- Claro. Como nunca antes pensei amar. E você?
- Também. Muito.

Ela não entendia porque a janelinha avisava que a mensagem havia sido visualizada a tal hora e logo em seguida não surgia a mensagem de que ele estivesse digitando. Por quê? O que ele estaria fazendo? Flor havia comprometido-se a confiar.

- Amor, posso te perguntar uma coisa?
- Sim.
- Você me acha egoísta como falou no outro dia?
- Não, amor. Achei, por uma atitude sua, mas uma atitude não faz da pessoa uma pessoa egoísta. Você não é! Sei que se preocupa comigo.
- Que bom que percebe.

Flor estava cansando de não ter a voz dele ali, de só ver serenata pela webcam, mesmo morando em bairros vizinhos. Cansada de só ver eu te amo, escrito em diferentes tipografias, mandado em links que abriam imagens belas. Queria arder com ele. Queria um amor dito em sussurro. Queria um beijo que pudesse ventar lembranças. Pra bem longe. Tão longe quanto, nem sequer o mouse dela pudesse alcançar. Terminou de ver o filme. A mocinha perdoou o erro do mocinho. A trama acabou ai. A dela continuava no dia seguinte. Foi dormir e tentou sonhar.

sábado, 22 de setembro de 2012

[Mônica Velour] Quem procura...


Por algum motivo, Mônica Velour – atriz pornô dos anos 80 - permeia as lembranças eróticas de Tobe. Ele, um adolescente de 17 anos, parece estar deslocado de seu tempo. Gosta de filmes e músicas da primeira metade do século passado. O classificam de “nerd”. Fotografia e trilha sonora evidenciam o gosto musical de passado do rapaz. Esse é o contexto de Meet Mônica Velour, de Keith Bearden.

Tobe vive com o avô. Um conflito bigeracional é facilmente percebido. O avô lhe presenteia com o furgão, dotado de um jocoso cachorro quente gigante no teto.  Para o patriarca da pequena família, é a oportunidade de empreendedorismo para o jovem. Para o neto, uma grande piada. Tobe quer o presente padrão, um carro. Sinônimo de liberdade e poderio masculino.

Após o aniversário, ele resolve vender o presente. Contudo, o interessado na compra do furgão mora em outra cidade, distante dali. Mesmo local, no qual, por coincidência, estreará um show da grande estrela pornô, Velour. É a chance de Tobe conhecê-la. Parte para lá.

Apesar de o personagem central ser um homem, adolescente, na busca por sua identidade, podemos levantar reflexões sobre a personagem que dá nome à trama. No show, Tobe discute com um rapaz que chama Mônica de vovozinha. Gerofobia. As mulheres são encaradas pelo corpo, e, depois de uma certa idade, a estética da juventude cega os olhos da maioria para a sensualidade que ela ainda pode, sim, possuir.

Mônica é expulsa do show. Uma das dançarinas da casa fala da questão da defesa dos direitos que elas possuem. “Aquele garoto tava fazendo o que você devia tá fazendo”, dirige-se ao pequeno homem que expulsa Velour. “Só porque a gente trabalha nessa espelunca, não significa que temos que aguentar esses porcos. Temos direitos”, continua. “Eu vou te dar os seus direitos, sim. Um de direita, um de esquerda, se não sair da minha frente”, ameaça o homem. Violência contra a mulher.

“Por favor, por favor, eu tenho uma filha”, grita Mônica, ao ser expulsa. Julgamento moral. Bem claro nas cenas em que o ex-marido diz que ela perderá, definitivamente, a guarda da filha. “Striper ganha causa”, chacoteia o arrogante homem ao evidenciar que o júri não iria conceder a guarda da menina pela profissão.

“Poxa, vida! A gente transa com algumas centenas de homens e o mundo inteiro fica contra a gente”, desabafa Mônica. Porque ser atriz pornô é ruim? Como Tool diz, ela levou “animação” à várias pessoas.  Sexo é tão normal, que todxs fazemos/faremos – a menos que optemos por ser assexuadxs. E, mesmo assim, há toda uma carga negativa atribuída à sexualidade. E, principalmente, à/da mulher. Que, em muitos vídeos é objeto, fetiche, apenas. Pornografia é sinônimo de sujeira. Contudo, raros são os adultos, mulheres e homens, que nunca acessaram ou viram um filme pornô. E você?

O problema está na moralização do debate. E como essa moralização recai sobre as as profissionais femininas. “A realidade é que eu, e todas as outras mulheres do mundo, temos nossos próprios pensamentos”. A frase, que, mesmo óbvia, alerta para uma conceituação machista que, por vezes, se faz da mulher.

O envolvimento de uma mulher mais velha com um rapaz. A cena de amor de um virgem com a ex-atriz pornô. A experiência sexual, geralmente atribuída ao sexo masculino, está com a mulher. Três pontos que demonstram a inversão de papéis tradicionais. Mônica ensina Tobe. O homem não detém a técnica. A mulher não é amor. “E sabe de uma coisa? Você é como os outros”, Mônica acusa Tobe. Ela generaliza e solta. “Passa a vida inteira procurando por uma máquina de sexo selvagem e, quando encontra, tudo o que quer fazer, é transformá-la numa dona de casa”.

Meet Mônica Velour não é uma pérola do cinema norte-americano. Muito menos, uma bela indicação para quem gosta de filmes permeados de diálogos marcantes. Contudo, as tags que ele traz podem ser desenvolvidas. É uma boa pedida para um sábado banal.

:::Meet Mônica Velour
Gênero: Comédia, Drama e Romance
Duração: 98 min.
Ano: 2011


sábado, 8 de setembro de 2012

[O céu de Suely] Azul e abrangente como a liberdade




“Eu fiquei grávida num domingo de manhã. Tinha um cobertor azul de lã escura. Mateus me pegou pelo braço e disse que ia me fazer a pessoa mais feliz do mundo. Me deu um CD gravado, com todas as músicas que eu mais gostava. Ele disse que ia casar comigo. Ou então, morrer afogado”. Azul e abrangente, como o céu, é a voz terna de Hermila, personagem principal de O céu de Suely. Devagar, a menina corre na praia e abre o filme do diretor cearense Karim Aïnouz. As lembranças de amor seguem, regadas por Diana, com Tudo que eu tenho

De repente, as cenas lentas são cortadas pelo close no olhar. Tristeza que vê paisagens em movimento, embalada pelo choro da criança. Ela, Hermila, voltara com o filho Mateus, de São Paulo. Em Iguatu, interior do Ceará, sua cidade natal, enfrenta o calor e o choro do filho. O calor que assusta Mateus, também a irrita. “Tem vezes que tenho vontade de deixar ele no mato e sair correndo”, confessa á tia. O marido viria em um mês. Viria. Um mês se passa e ele não vem. A frustração do êxodo rural se enlaça com a dor do abandono. A felicidade que denotava reinicio, se torna tristeza. O homem, livre, simplesmente, desampara. Ela também quer fugir. Pra longe. Para o local mais longe que a rodoviária ofereça.


A decepção, a criança, os 21 anos de idade e as dúvidas dão à Hermila anseios. Precisa juntar dinheiro para sair dali, para onde for mais distante. Ela, sozinha, resolve rifar mais que as garrafas de whisk que já estava acostumada. Promete uma noite no Paraíso, com seu corpo por prêmio. Vinte reais cada ponto na rifa. É latente como a prostituição se faz vista pela cidade de interior, por um viés moral, tradicionalista, que criminaliza a mulher, sem entender contextos. Reconhecida pelas mechas loiras no cabelo curto, levanta a fúria daquela cultura machista. Ela, diferente, como quem perdeu algo por onde foi, vai até o fim.

O Céu de Suely não é de final feliz. Teve sua estreia na Itália, no Festival de Veneza 2006. Prata da terra, o cearense Aïnouz que também dirigiu Madame Satã e Abril Despedaçado, deu um belo filme ao cinema contemporâneo. Na trama, as mulheres são protagonistas. A avó, que sempre lutou para manter a casa, se sente desrespeitada com a atitude de Hermila. Matriarca, formada naquela mesma cultura machista, se vê olhada diferente pelos vizinhos, e expulsa Hermila.

A moça vai morar com a amiga da tia, mas depois volta para casa. Efeito bokeh, noites e movimentos de câmera trazem um tempo confuso, arrastado, como os pensamentos de Hermila. A noite com o ganhador da rifa chega. É um sexo de sofrimento, desajeitado. Chega também a hora de partir. A estrada, e mais uma vez o céu, azul e abrangente, compõe o cenário no qual o ônibus de Hermila parte, com toda a determinação. O fim nega a premissa que ela precisa estar com alguém para ser feliz. Ela não volta na garupa do namorado de infância que corre atrás do ônibus, como Hollywood exigiria. Ao ir para longe, mesmo banhada de incertezas, a “mocinha” se faz livre e segue suas próprias escolhas.


:::O céu de Suely
Gênero: drama
Duração: 90 min.
Ano: 2006

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

[Amor em tempo de redes sociais] Capítulo 6 – Mais uma vez

Pintura: Ewelina Ladzinska

E um perdão tinha feita a vida eterna novamente. Eram momentos tão ternos, que quase acreditaram na premissa platônica da completude. Flor lembrava do começo sem pretensões, quando seu coração era casa assombrada, fechada, de interior escuro. Mas ele veio, e limpou as teias de aranha, as dores tacanhas, os brilhos mal luzidos. E fez cantar. Arranjou-se uma rotina feliz. Era felicidade que inundava linhas de tempo alheias, em fotos, palavras, argumentos. Perguntava-se, como em tão pouco tempo, tudo era tão intenso, exposto.  

Perdoara, antes mesmo que o coração pedisse que ela passasse, ali, às vistas de todas e todos, de um relacionamento sério para solteira. Quis evitar que curtissem sua dor. Reflexionou e ninguém soube, apenas os amigos e as amigas reais. Sem representações. Ou com elas. Sentia ainda a traição, sempre reiterada, dia ou outro, mas a importância naquilo era nenhuma. Estava feliz. E era tão feliz que podia continuar ali, sem mesmo desejar tristeza.

O trabalho a sufocava. Ele também. Nunca imaginou que aquele rapaz solto pudesse engolir rotinas, adaptar-se a ela, sentir-se metade sem a sua atenção. Mas estava inseguro, pedia, pedia, pedia. Por mensagens, ligações, voz abalada. E ele tinha o ciúme de um leão. Flor sempre acreditou que quem não deve não teme. Se ele teme, então é porque devia, refletiu. E devia, mais ainda. Estava certa.

Depois do amor - como sempre, ele a fazia plena – sentiu uma tristeza percorrer-lhe. Pegou de súbito o celular do rapaz, enquanto ele cantarolava no banho. Sentia aquela invasão, como se o estuprasse. Contudo, sentiu mais ainda, que era preciso. Violentou-se também por fazê-lo, pois prezava, imensamente, pela liberdade. Sabia que as imagens daquela maquininha que alcançava com leves toques só tinham acesso por senha. Mas foi. E fez de um jeito, que a segurança foi burlada, sua vida abalada, seu mundo ali se achatou.

Perdeu ar e perdeu terra. Embora em cama macia, flutuou. Raivosa, terna, racional. Pensou, que escroto. Sentiu vontade de esfaqueá-lo, cuspi-lo, quebrar aquele mesmo celular pelo qual ele falara com ela. Mas prostrou-se ali, e viu, mais uma vez, um rosto sem graça, em baixa resolução. Viu mais do que deveria para poupar seu sentimento. Gelada, sem vida, desacreditou no amor. No seu, no dele, no amor. Mais uma vez? Por quê? Foram três minutos que tiraram sua cor e trouxeram pensamentos simples. Era como se já estivesse preparada. Se já soubesse. Lembrou que sentira mais cedo, como da outra vez.

Ele cantava no banheiro. Ela gritou.

- Quem é Jana?
- Jana? Trabalha comigo. Porque?
- Deixa de mentir. Eu tenho muito nojo de você. Muito.

Ele espantou-se com a frieza com que ela falou aquilo.

- O que foi? Você viu alguma mensagem?
- Não dá mais. Não dá. Eu vi as fotos. E a legenda.
- Foi só uma vez.
- E ter sido uma vez torna as coisas melhores? Acabou. Não me procure mais. Nunca. Se veste. Vamos embora.

Ele calou-se e nem sequer tentou retrucar. Reparou que ela estava calma, sem sal nos olhos. Estranhou. Saíram dali. Conversaram na praça, como de costume. Ele disse que não a merecia. Ela concordou. Flor virou a esquina. Deveria ter sido um adeus. Deveria. Ele chorou, como quando o pai morreu. Os dois se encheram de porquês. Era para ter sido o fim. Era para ter sido.

domingo, 24 de junho de 2012

[Amor em tempo de redes sociais] Capítulo 5 – A traição



Imagem: Stephen Wright
Houve um tempo em que a felicidade era tão repetida, que precisava de tristeza para estar alegre. Flor se sentiu repleta demais, com aquela fofura toda. Estavam casal. E aquilo era tão brega quanto as frases que diziam um ao outro. Ela perdera, até mesmo, o mistério de esconder-lhe o necessário. No fundo, sentia que o amor apitava e dizia que era dúvida, sempre. Diálogos e dias repetidos, profundezas superficiais. Tal qual em paraíso monótono, ela se escondia naquela barba mal feita, em longos respiros. Nem sequer tinham tempos ou saudades.

E como que atendendo ao pedido, que seu inconsciente talvez fizesse, o travesso destino deu-lhe dor. Em dia-rotina, plena terça-feira, foi-lhe o coração acerta-lhe a mente com presságios. A música que falava de lealdade açoitava-lhe os ouvidos. Uma tristeza de futura causa a assolou.

Golpe de voadora, um sms falou o que o peito já sentira mais cedo, mas o sentimento inacreditava. Outra mulher, que não ela, tinha sido dele. Sim, e a avisara por mensagem de texto, um jeito frio e macabro de fazer o seu corpo tremer. A conversa entre as duas caminhou. Sem trocas de farpas, pois Flor pediu-lhe dignidade. O conflito surgiu, a verdade apertou seu semblante.

Verdes colheram verdades. A confissão veio em entrelinhas. Aquele rapaz, com quem se fazia inteira, agora arrancara-lhe um pedaço. Um dia, e a noite foi longa. Por um instante, pensou que sentimentos ruins habitavam a barriga, e, não o peito. Teve aquela garra que aperta o estômago, esmagando qualquer sentir, afligindo-a. Lembrou de coisas, decidiu-se. Resolveu dar-lhe uma chance, por motivos que nunca imaginou ter.

- A vergonha é sua, mas eu te amo.
- O que isso quer dizer?
- Que podemos tentar.
- Mas você quer mesmo?
- Sim, você não quer?

Silêncio na linha. Ela enraiveceu-se.

- Hein? Responde.
- Estou confuso...
- Você? Você está confuso? Ah! Bom, acho que o melhor é deixarmos por aqui.

O silêncio seguiu o desligar. Ali, ela naturalizou a ideia de estar solteira, de sentir-se livre para amar quem quisesse. Quase ficou feliz. Foi quando o telefone tocou, novamente. Ele soltou:

- Meu amor é seu, mas ainda não é o que pretendo sentir.
- Hum...
- Mas eu te amo, amo como nunca antes...
- Eu só queria entender o porquê. Queria sexo? Queria uma coisinha diferente? O que era?
- Com ela, eu não poderia te explicar, você não entenderia.
- Só quero uma explicação, nem que ela não explique...
- Não foi como com você. Eu a humilhei...

Os detalhes a abalaram. As coisas ficavam, cada vez, piores. Ele a assustou. Como poderia aquilo? E como ela, ainda, sentia uma vontade enorme de perdão?

- Me perdoe, meu amor. Não consigo viver sem você.

A voz dele estava diferente. Interna.

- Ok. Mas entenda, quando os erros se repetem, o perdão fica cansado.
- Te juro, que tentarei ser melhor do que sempre fui para você.
- Sua alma é livre e solitária, eu sei. Vejamos no que dá.
- Você me faz muito feliz, mas não mude comigo, por favor. Porque o carinho que tenho por ti é, naturalmente, reflexo do teu amor, do jeito que me olha, que sorri, que me toca. Por favor, continue você.

- Eu acho que um dia você vai sumir da minha vida, como quem foi comprar cigarro...

sábado, 12 de maio de 2012

Dia de mãe

Eu acho isso de datas comemorativas meio uó e tal. Mas para além da mercantilização dos sentimentos, ao menos serve para parar e refletir sobre certas coisas - ou não. É um enxame medonho de "Parabéns, mamãe!", "Feliz Dia das Mães", e blá blá blá. Embora todxs saibamos que mãe - e pai também - são pessoas especiais pelo carinho e dedicação que tem conosco. Essa instituição “mãe”, que é atribuída à mulher, é valor social. Sim, eu sei, não é só valor social. Porém, porque a mãe cuida mais? Nós, xs filhxs, quase sempre somos meio ingratxs. E me incluo bem muito.

Sim, sim. Falar da minha mãe, não é fácil. E nem vou postar foto dela, porque ela não gosta. Tipo, eu começo a escrever, ai vem logo aquele chororô. Num sei por quê cargas d’água [correm no rosto]. Costumam chamar emoção. É que a minha é tão boa e faz tanto e tanto e tanto por mim, que eu fico me sentindo bem como sem retribuir. Não digo boa – oh! aquela candura de pessoa, dotada de toda a bondade do mundo. Não, claro que não, vale ressaltar. Afinal, ela é humana, como todo mundo. Deixemos as idealizações para lá.

Houve até um tempo em que eu pensei que ela não gostasse mais de mim, logo quando meu irmão nasceu. Contudo, o tempo mostrou que ela se resigna e me ama muito. Mas, porra! Me diz porque tem que ser assim? Ela deveria deixar a gente sofrer mais, não ser tão forte e apoiadora, não fazer tanto as nossas vontades, não nos dar tanto, dizer mais nãos... Sim, somos ingratxs. Deve ser culpa também do patriarcado, que molda até esse amor demais. Mermã/o... Eu num digo é nada.

Desculpem o desabafo. Detesto essas coisas de diári(nh)o. Os meus não duravam mais do que dez folhas. Tava precisando. Me ventilou. Aí, vem essa época de um dia, solamente um dia, com aquele clichê de que deveriam ser todos os dias. E não passa de clichê. Jáque no “todos os dias”, quede lembrar. E não escuta mais, porque ela sempre, sempre tem razão. Então só me lembro da música do Caetano, Coração Materno. Sempre lágrima. Foda. [Tá, tô mais brega que o normal. :P]

♪  ♪  ♪

Chega à choupana o campônio
Encontra a mãezinha ajoelhada a rezar
Rasga-lhe o peito o demônio
Tombando a velhinha aos pés do altar
Tira do peito sagrando da velha mãezinha
O pobre coração e volta a correr proclamando
Vitória, vitória tem minha paixão
Mais em meio da estrada caiu
E na queda uma perna partiu
E a distância saltou-lhe da mão
Sobre a terra o pobre coração
Nesse instante uma voz ecoou
Magoou-se pobre filho meu
Vem buscar-me filho, aqui estou
Vem buscar-me que ainda sou teu!

♪  ♪  ♪


sábado, 5 de maio de 2012

O vidro de perfume – Mito




As pétalas agarravam compulsivamente seu ao redor. Seu corpo era frio e torneado. Belíssimo. Por gerações guardou odores intocáveis, sublimes. Recomposto, pertencera a mulheres comuns, mundanas, serenas. Fez-se vidro num fogo ardente, moldaram-no cheio de graça. Foi que assim que nasceu, recobriram seu corpo em choque, finíssimo, chiquérrimo, com pinceladas tocantes, emocionais. Reproduziram nele a arte de um homem que amava. E fora vermelho, até que perceberam que estava forte. E fora azul, até que perceberam que estava calmo. E fora branco, até que perceberam que estava nada. E fora de várias cores, e flores, e poesias. E não mais perceberam, seduziram-se. E assim ficou.

Morou naquele bordel encantado. Viu camas tremerem, mil homens passarem, mas era ele, somente ele que escutava pensamentos, que via olhos brilharem, escorrerem, que soprava felicidade ou conforto. Ficava enfeite, bibelô, contudo, era mais, bem mais. Era o orgulho lindeza de cada mão por que passou. Viu violências, amores, latência, viu trovões e chuviscar. Respeitou cada decote daquele, pela inteireza de caráter que viu no múltiplo querer /não querer estar ali. Respeitou cada choro depois das visitas. Respeitou toda luz que se apagou. Respeitou a verdade que só ele via e cresceu.

Se pudesse, imitaria a gente, derramando-se. Porém já suspirava  quando lhe borrifavam. E naquela hora, em que o tempo se fazia menino/momento, e dava tanta graça aos olhos fechados que recebiam o aroma, ele era felicidade. Vidro de perfume. Em meia idade, foi parar numa casa de família, sentia-se triste pela melancolia alheia, mais empertigada que a que vira por anos, sobre aquelas penteadeiras femininas. Quis quebrar-se naquela monotonia. Até que um gato, bem-vindo, peludo, fez sua vontade.

domingo, 22 de abril de 2012

Eu, mulher...



Textinho que fiz para a Mística do Painel de Combate ás Opressões do Enecom Ma 2012

Eu sou mulher e não me vejo na mídia. Não me vejo real. Com meu cabelo alto, com meu nariz grande, com meus traços históricos. Não me vejo negra, nem gorda, nem flácida. Não me vejo. Dizem por aí que tenho liberdade... Que o machismo acabou... Mentira! Será que eu me visto como quero? Será que eu faço o que penso? E se faço, se me visto, não mexem, não falam, não me rotulam?

Na TV, no outdoor, no facebook, no rádio... Eu não sou a bunda passeando pela feira! Não. Sou ser pensante, andante, mulher. O meu corpo é meu e não é mercadoria. Eu, mulher, nem santa, nem puta, vou abrir meu bico. E você?

Quando o outro muda...

Quando o ser, historicamente frio, recebe indiferença, algo em seu eu se questiona. É como, talvez diria, ver um impossível materializado, tipo esperança em pedra, ET passeando na rua, histórias pintadas nos muros. É assim tão estranhamento que o vislumbre enxerta no rosto uma expressão dolente, indecisa. Posto que o assombro se acalma, o ego se embrulha, segurança, a vida se enche de dúvidas, e a base do sabido balança nos pés. Eis que é preciso o afago, antes não desperdiçado, para ver o outro reagir. Aquele ser que era o carinho, afeto, gélido agora, nem assim se faz desperto. Ah, sofrimento se instaura, balada de fundo de bar. Sim, é a hora de estar, declamar-se, expor, trinta juras na boca. O verso tolhido se amplia, a garganta é só enrouquecimento. Nem gagueira, nem orgulho tropeçam e a verdade escondida é desnudada, sentimento se rasga, paixão, cansaço puro. Vem o olhar precioso, sem brilho, carente, dizendo um não. Tristeza...

Fonte: http://terriblycute.com/friendly-cat-wants-stoic-dogs-attention/


















Fonte da imagem: http://terriblycute.com/friendly-cat-wants-stoic-dogs-attention/ 

quarta-feira, 18 de abril de 2012

[Amor em tempo de redes sociais] Capítulo 4 – O status



 

Já estavam por aquelas bandas em que o coração só dorme com um beijo-sussurro. Não passava um só dia em que a voz um do outro não virasse alegria, fosse escrita ou vinda dum sorriso face a face, fosse em tom mecânico, nenenzinho. Ela jamais imaginaria que aquele abestado que quase vira morrer na contramão  atrapalhando o trânsito, fosse lhe esquentar o sangue.

E por mais que não se vissem tanto e tanto assim, conversar por aquela janelinha, matava uma saudade enjoada que chutava o cotidiano de casais felizes. Casal. Afinal, eram quase isso. Ela sentia, mas pensava mais e sempre. Ele, era pra ela continuamente incógnita. Lúcido, patético, lindo, sexualmente irresistível, com aquele jeito homem-menino e a criatividade toda. Em tudo, tudinho. Ele chamava seu nome seguidamente e o sinal a aborrecia, vez ou outra, mas na grande parte do tempo, ansiava por tê-lo. Mãos, beijo, pensamento.

Ficava naquela de expressar-se imagética, discursiva, 2.0. E lá se ia. Postava fotinhas bregas com frases mais bregas ainda. Tendo em vista, que brega é amar pouco, escrevia, e se inscrevia nos caracteres compartilhados.  Havia chegado naquele ponto em que não mais era um ficazinho conhecido de muros sombrios. Era sentimento que se atirava dos beijos. Os meses já passavam dos dedos de uma mão. Foi quando ele segurou-se, como nunca antes, nas mãos dela e disse quase não disse, numa volta dessas de dias normais.

- Flor, fica comigo?
- Eu já tô contigo, cara. Olhaqui, nós dois juntinhos.

E sorriu. Ele frizou-se.

- Eu tô falando sério. A gente pode mudar o status de relacionamento e tal.
- Hum?
- Tipo pra relacionamento aberto ou sei lá...
- Relacionamento aberto?
- Não quer? Podemos colocar relacionamento sério mesmo. Aquele Facebook tem tão poucas opções.
- Então tu quer colocar relacionamento sério porque tem poucas opções? Não é um bom começo...
- Não! Eu não disse... quer dizer... eu não quis dizer isso. Flor...
- Diga...
- Seria tipo um namoro...
- Tipo um namoro?
- É, daí só ia faltar eu conhecer tua mãe e teu pai e...
- Opa, xuxu. Vamos com calma. Pera. Xeu ver se eu entendi: você quer mudar o status do relacionamento, namorar comigo e conhecer meus pais?
- Não necessariamente nessa ordem...
- Hum? Calma, calma... Não sei, eu mal te conheço.
- Mal me conhece? Tá, esquece.
- Sim, mal te conheço, mas só sei que tem um bichinho que fica mordendo uma veia minha bem aqui, só pode.
- Um bichinho?
- É. Às vezes faz cócegas, outras aperta e tal.

E ele tentou disfarçar um sorriso que seria belo, não fosse a luz amarelada e morna do lugar. Postes. Um silêncio foi endeusado. Foram segundos de muitos frames emperrados. Ele deu uma voadora no silêncio e despontou.

- Amor, se você não quer...
- Não te conheci tão vestido assim de insegurança.
- Inseguro, eu? Só te fiz uma proposta. Foi você quem acabou de dizer que tá apaixonada aê, cheia de bichinhos do amor.
- Ai, ai...
- O que foi?
- Nada.
- Diz, diz...

E ele realmente achou que um sorriso gigantesco esconderia a aflição que sentia.

- Deixa, gatinho.
- Não. Diz, diz...
- Amor, chegamos. Vou indo, até amanhã. Beijo.

Antes que ele pudesse falar qualquer coisa, aquela boca que ele sentia/imaginava de hora em hora fechou a sua. Foi pra casa, pensando, pensando. Resolveu abrir a página-vício de cada dia. Uma notificação se distinguia das outras e figurava. *Flor de Sah solicitou relacionamento sério com você*. Antes que se arrependesse, tacou a setinha nervosa naquele botão *aceitar*. Brilhou. Levou seis minutos inteiros para dormir, sorrindo.


sábado, 31 de março de 2012

Romance

1. A vista

Aquele perfil de moça lhe explodira algum órgão interno. Podia dizer, que ela era uma gatinha. Não, não. Podia dizer que ela era esplêndida. Já conhecera suas andanças, mas era a segurança com que o ignorava que mais atraia. Resolveu. Teria de tentar uma aproximação exata, fatídica. Olhou-a por tantas vezes, que o cansaço de olhá-la a tornava mais bela e inalcançável. Tirou de si um medo que desconhecia. Quis guardar o medo ou escondê-lo, mas não havia nenhum tapete por perto. E foi, quase seguro. O tempo ali meio parado, ela virada, ele trôpego por dentro.


2. A inércia

Quando ele inventou de alcançá-la, viu-a sentar-se. Pensou-se lento, parou e ficou estático, morno. Admirava-a, sim, mas de canto de olho, vez por outra. Eram segundos de alegria, que iam-se repetindo. Não lembrava que tinha um coração até que ele batesse tanto, como naquele momento. E o medo estava a esganá-lo, segurando fortemente sua garganta. Quase soltou um pigarro, mas nem mexer-se era possível. O sangue corria dentro dele e o lembrava que ainda estava vivo. Aquela cena não era sonho. E era. Estava quente e ela terna, de longe. Tremeu.


3. A rabissaca

Quando deu por si, já estava andando a enfrentar todo aquele charme. Diz que, a gata deu rabissaca. Não, só estavam a chamando do outro lado da sala. E ele mais perto. Arrodeou a morena, e viu seus olhos que tão grandes estavam por tê-lo à frente. Ela semi-abaixou a cabeça.


4. Ela

Ai, que aquela vista o enterneceu. Poderia guardar em retrato, memória, aquele rosto. Beleza não era coisa humana. Ela não era humana, era mais. Era marcante, forte, intensa. Toda felina.


5. A lição

Ele não se aguentou. E quando ela virou-se, lascou-lhe uma bitoca explícita. Assustada, não teve como revidar. Ela o encarou. E o seu olhar explicou tudo. Ele entendeu que não poderia ter feito aquilo. Ela não era dele. Era dela mesma. Sentiu vergonha de si próprio, recuou e partiu.


domingo, 26 de fevereiro de 2012

Círculo


O ventre cresce em formato de bola e acolhe a vida. A vida vem e escorrega pra vida, já no grito que antecede a luta. Pois a luta é como um círculo já de início, e posto que ela não tem fim, tal qual o círculo, o olho enxerga a luz que o guiará.

Vem pressa vida bela e injusta. Onde as gotas cairão, seja do olho redondo, seja do céu-horizonte que mal cabe num só olhar. Mundo que reduz a imensidão do luar círculo, tal qual o astro que sobe de dia e clareia as mesmas vistas redondas.

Abraço, alto-falante, mandala, circo. Tudo gira, e o que gira deixa a vida loki, linda, como o tempo que passa porque a terra gira, entre um tapa e destapa de luz. Êta mundinho-bola que te chuta pra aventura diária da repetição. Indo ali, dormir um sonho. Pensar que amanhã a vida pode ter um buraquinho, de onde escorre felicidade. Tamanha.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

[Amor em tempo de redes sociais] Capítulo 3 - O encontro




Eram oito e quinze da noite e o ônibus parava mais uma vez frente à máquina piscante de três cores. Como amava o vermelho. Todavia, naquele instante, era frustrante vê-lo dar ordem aos carros. Motoristas suando a deixavam nervosa naquele aperto de olhar a rua impaciente. A maquiagem dali a pouco escorreria-lhe face afora e nada poderia ser feito. Lembrou que faltava apenas um quarteirão até que o ônibus alcançasse a parada em que ela iria descer. Animou-se. Lembrou junto, da cara de tacho charmosa e vibrante do pierrot que a esperava. Desceu.

- Desculpa o atraso. Sabe como é trânsito nessa cidade. Você chegou agora?
- Não se preocupe, minha flor. Na verdade, eu tô aqui desde as quatro da tarde. Vim mais cedo pra assistir ao filme do Fellini, ali no Cineclube.
- Humm... E qual era?
- 8 ½. Já viu?
- Não, esse só baixei. Não assisti ainda. Gosto de E La Nave Va e d’Os Palhaços.
- Dormi no E La Nave Va, vou nem mentir. Mas chorei n’Os Palhaços. Muito tocante.
- Ave! Gosto dos dois. Mas mais do que do Fellini, gosto do Almodóvar.
- Sim. As cores de Almodovar me atraem, vermelho... Kika, Volver, Tudo sobre minha mãe, e agora, esse último...
- A pele que habito. Intrigante.
- Demais. Crise existencial total!
- Crise existencial? Tu acha?
- Minha subjetividade lascou-se com ele. Todo aquele ódio, os erros, a loucura... Mexem com a gente.
- Eu sei. Mas típico do Môdovazim.
- Môdovazim?
- É. Gosto muito dele. Também gosto do vermelho. Aí, pronto.
- E a sua calcinha é vermelha?
- Hã?
- A sua calcinha é vermelha?
- Olha garoto, num é porque eu topei sair com você que você vai me levar para a cama não, viu? E que vulgar, falar essas coisas. Oxi!
- Hã? Eu só perguntei se sua calcinha é vermelha.
- Só? Acha pouco?
- Xiiiii... Você é uma libertária muito conservadora, minha filha. Eu só perguntei se sua calcinha era vermelha. Não vejo nada demais nisso. A não ser que eu tenha acertado, o que, por conseguinte, lhe deixou assim tão ou mais vermelha que a dita calcinha da questão.

E uma raiva frenética estuprou-lhe os poros e quis sair pela boca, num grito escrachado. Mas não. Ela conteve-se, porque ele realmente tinha razão. Na cor, no constrangimento. Era um aborrecimento atraente, com aqueles olhos apertados, fitando-a maliciosos. Contendo-se, sentou no banco próximo de onde passavam.

- Tudo bem, tudo bem. Eu não vou fazer desse encontro um momento de auto-flagelo. Não vou brigar com você.
- Vixi, como tu estica a baladeira, mulher. A gente tá só conversando.

Aquilo só podia ser brincadeira, pensou. Enfrentara quarenta minutos num trânsito lesmático, já tendo aceitado o pedido absurdo de vir ver esse rapaz tresloucado que quase vira morrer atropelado na semana anterior, pra ele vir falar aquilo? Respirou fundo.

- Você sabe o que está dizendo, gato. E faz com algum propósito. Enfim, o que a gente vai fazer? Só ficar passeando por aqui mesmo? Comer alguma coisa? Ver um filme, teatro, exposição?
- O que você quer?
- Eu tô com fome.
- Vamos.

Lancharam e a conversa amenizou-se, pelo menos enquanto a batata frita extinguia-se do saquinho. Falaram de cinema, festas, movimentos artísticos e tudo mais que os linkava. Vez ou outra, ela tirava o celular da bolsa, com o intuito de verificar novas atualizações no feed de notícias ou ver se não tinha novas mensagens. Os olhos dele a criminalizavam por isso.

- Será que tu sobreviveria sem ele?
- Sem ele quem?
- Sem o Facebook.
- Ah, claro! É questão de hábito. Se passo algum tempo sem, passo bem. Mas quando volto, tenho necessidade.
- Humm... Novas drogas! E de quais tu gosta?
- Quais o quê?
- Quais drogas, gatinha?
- Não curto.
- Humm... Achei que curtia. Não essas, né? Só curte e vibra com as coisas, virtualmente?
- Claro que não. Até acho isso de só curtir positivo demais. Deveriamos descurtir e tal.
- É verdade. Só o comentário serve pra isso. Paia. Eu acho que essa rede paz e amor, azulzinha e tal, com conformismos virtuais bem encaixotadinhos num design minimalista tá assumindo um papel muito forte na sua vida.
- Ah, você acha?
- Sim. Vi suas últimas atualizações, e o intervalo entre uma e outra é bem curto. Você quase não tem tempo pra viver o que compartilha.
- Muito bom ter especialistas que avaliam meu comportamento virtual, com tanta perspicácia. Assim não preciso me preocupar.
- Às ordens! E outra coisa...

A outra metade da frase misturou-se entre as línguas ainda com gosto de coca-cola geladíssima. Ele a irritava de tal forma que Flor não se conteve em avançar naquele beijo, de pura necessidade. Sôfregos, recompuseram-se nos seus lugares, após três minutos-eternidade, e no tempo-depois que se colocou após aquela delícia de beijo.

- Tá, adorei seu protagonismo feminino.
- É? E se tu me beijasse em vez de ficar de lenga lenga ai, seria protagonismo masculino?
- Tudo bem, me pegou. Tava com medo de que você não quisesse.

Ela o olhou profundo e lento, levantou-se, segurou sua mão.

- Vamos?
- Você quer ir pra onde agora?

Ela apenas sorriu. Naquele minuto, a frase do livro de Vargas Llosa que lera na semana anterior, lhe veio a mente: “o segredo da felicidade, ou pelo menos da tranquilidade, é saber separar o sexo do amor. E se possível, eliminar o amor romântico da sua vida, que é o que faz sofrer”. E porque pensar naquilo agora? Quem estava falando de amor? O intuito era a outra coisa. Eles foram.

E nem sempre...
A verdade é apenas um grito estúpido da imaginação. Que pode se desfazer feliz num sopro de vento. Ela ali, embaixo, pensou. Ele estava dentro dela, físico, formal, sentimento. Por um instante, a moça, esmagada prazerosamente pelo peso do grande rapaz, desejou sussurrar em seu ouvido as palavras já tão ditas pelas camas do mundo: eu te amo. E como vindo de um fundo bem lá embaixo de sua alma, voltou sincero como veio, e ela continuou a aproveitar o momento. Não chegava aquilo a ser um momento, posto que a duração era tamanha e inesquecível, pungente. Aproveitou.

O telefone tocou. Ela foi atender. Ele pediu que não.

- Alô...

- Preciso ir.

E foi.

- Quando vamos nos ver de novo?
- Agora tenho seu número.

Vestiram-se e ele a deixou na esquina que ela pediu. Despediram-se sem beijo. Ela teve medo.

Que possamos!

“Las mujeres dibujaban sus palabras
en ropas y abanicos. Las manos que los
bordaban no eran libres. Los signos, sí”.
Eduardo Galeano:::
Espejos – Una historia casi universal




Sim, sim! Corram, corram os estereótipos. Das nossas mentes, das nossas bocas, das nossas vidas. Piriguetes, peruas, românticas, patricinhas, rockeiras, neo-hippies, recatadas: somos todas mulheres. Nós usamos a roupa que queremos, porque antes de nós, lutaram por isso. Mas hoje... Hoje dizem que temos liberdade pra fazer o que quisermos. Temos? Os olhares, os posts e as piadinhas machistas não confirmam nossa liberdade. Somos livres, sim. Somos! E por isso, mostremos que somos. Nas roupas, nos atos, nas ruas. Fechemos bocas, abramos mentes, estiquemos braços.

Somos flores variadas que se inflam por prazeres de vida. Somos gente, e ao contrário do que dizem por ai, não queremos passar homens, subir, pisar. Nossa força é a união histórica de olhares. A ideia absurdamente perfeita de que somos iguais, não importando o gênero. Temos voto e participação política, mas queremos mais. Queremos caminhar ao lado, ter prazer junto, quebrar mitos. Queremos mais políticas de saúde e menos revistas pra conquistar machos. Mais emancipação política e menos falso poderio feminino. Mais orgasmos múltiplos e menos violências escrachadas e aceitas. Nos quartos, nas palavras, nas TVs. Mais flores, companheirismo, amores correspondidos. Mais amor livre e soltinho. Posto que somos Simones, Marias...

Não, feminismo não é femismo. É só o entender que existe uma dívida histórica e que é preciso saná-la. É a busca da liberdade de escolha. Escolha pelo lar ou o não-lar, pela cria ou a não-cria, pelo homem ou pela mulher. É agir sem amarras. A opressão nos ensina a coerência pelo anti-exemplo. Sofremos sacramentadas dores falidas. Mas o tempo de enxergar as contradições sempre foi o agora. Que acendamos nossos olhos, com ou sem maquiagem, à la vonté.

Que possamos ser lindas de shorts curtos ou grandes saias. Que não sejamos produtos, frutas ou carne apenas. Que possamos escolher ter ou não família. Que possamos ser piranhas de bom sentimento. Que possamos usar decotes e corações cheios. E que façamos isso por refletir e achar o certo. Que não herdemos as dores do mundo pelo fruto que não comemos. Que não abramos caixas escuras pelo ciúme que não sentimos. Que possamos abrir nossas pernas pra quem quisermos, se quisermos, sem choques ou taxamentos. Sim, que possamos. Que não nos calemos.

Negras, brancas, rosas, marrons, noites, dias, casas, calçadas. Que sejamos nossas, assim como nosso pensamento e vontade.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Irmão libriano


- Irmão, traz água pra mim?
- Ai, meu Deus!
- Ownn irmão, por favor...

Silêncio.

- Te dou dez centavos.
- Pufff!
- Cinquenta centavos.

Silêncio.

- Um real, irmão!
- EU NÃO QUERO DINHEIRO! Grita ele da sala.

Silêncio. Ela retoma o que estava fazendo e esquece a sede. Breve tempo depois, a porta se abre. Um copo d’água lhe é oferecido.

- É a mais gelada que tem.

Seus olhos brilham. Librianos de 12 anos... Irmão fofinho. ^^