segunda-feira, 24 de outubro de 2011

[Amor em tempo de redes sociais] O início


-Ei, você deixou cair isso!

Ela se vira majestosamente...

- O quê?
- Um pedaço de beleza aqui, ó...

Ela sorri pequeno! Tinha medo dessas cantadas bregas, mas fazer o quê, se ao menos eram engraçadinhas.

- Me desculpe! Foi mal, foi mal... Esse pedaço de beleza não pode ser seu. De jeito nenhum! É só olhar pra ti, lindeza, que a gente vê que a sua beleza tá mais que completa.

E ela não pôde conter. E um brilho pintoso rasgou a cena. Era um super sorriso que se abria na boca fina.

- Cantada barata viu!
- Barata, mas lhe arrancou felicidade e me deu a belezura do teu sorriso. Vai ser linda assim lá no papel de parede do meu Mac, juntinho de mim, na prainha!

E ele era desconcertante.

- Rapaz, eu tenho que ir. Você pára as moças assim, aleatoriamente, pra falar de beleza e sorrisos, é?
- Que nada moça bonita! Foi tu que lascou esse jeito de andar no meio das minhas fuças. Ai, dei de me encantar. Sabe...

Silêncio. Ela que já ia virando-se para partir, sentiu um algo que lhe puxou a ficar. Perguntou.

- O quê?
- Gosto de números. Quando eu era pequeno, decorava número de tudo. Nem sei se ainda consigo. Você podia me ajudar...
- Hum, até já sei. Mas desculpa, não costumo dar meu número pra qualquer pessoa.
- E eu sou qualquer pessoa? Avistei tu de longe, e quis até te ajudar, catando do chão o pedaço de beleza, que por sinal, nem era seu...

Mais um sorriso arrancado.

- Podia ao menos conversar comigo. Posso te acompanhar?
- Acho melhor não. Não te conheço...
- Muito prazer, me chamo Pedro Andrade Feitosa Leite. Meu CPF é 123 477 777...
- Tá bom, vai...
- Então, como ia dizendo...
- Mas vou avisando logo, a rua é pública e você pode ir andando ai, só não tente nada viu?
- “A noite ascendeu as estrelas porque tinha medo da própria escuridão”.
- Oi?
- Nada não!
- Foi bonito o que você disse.
- Mas não foi eu quem disse. Foi o Quintana. Mário.
- Hummm
- Estamos conversando há três minutos, eu já posso saber o seu nome.
- Cuidado!

E ela puxou ele duma vez.

- Tu é abestado é? Atravessa a rua sem prestar atenção!
- Mas eu tava com você. Você salvou minha vida. Sou-lhe grato. Agora eu preciso te agradecer, e, pra isso, preciso saber o seu nome.

Ela, calada, sentiu um vento frio, da noite que já sorria por entre nuvens amareladas.

- “Sua cor não se percebe. Suas pétalas não se abrem...”

Ele continuou, o que a deixou surpresa...

-“Seu nome não está nos livros”.
- “É feia, mas é realmente uma flor...”
- Ah, com isso eu não posso concordar! Mas como assim, seu nome é Flor? Sua mãe era hippie?
- Era. Já vi que você gosta do Drummond. É, você não é de todo mau.
- Você pode descobrir mais de mim. Te dou meu facebook.
- Quem disse que eu quero?
- Pois me dá seu telefone, que eu não te dou meu facebook.
- Não vou dar o número do meu telefone para um louco que acabei de conhecer, e que é tão lesado, que quase ia sendo atropelado!
- Por quê?
- Eu preciso responder?
- Claro!
- Porque celular é uma coisa muito pessoal. Você pode falar comigo instantaneamente, me encontrar onde eu estiver, é muito impessoal para se dar para estranhos...
- Tá, então vamos por partes. Você me disse seu nome. Não devem ter muitas Flores no face. Vou te achar. Você usa muito ele?
- Uso. Tô meio viciada...
- Você é bloqueada?
- Como assim? Ah... Não! Isso é besteira.
- Pois tá parecendo...
- Hã?!

E aqueles olhos pretos dela se encheram de uma fúria vermelha e rosa.

- Qual teu sobrenome?
- de Sá.
- Humm. Agora é fácil. Flor de Sá! Tudo bem, tu não me deu teu telefone, mas eu posso descobrir o que você faz, onde você trabalha, onde estudou, quem são seus amigos, que lugares você freqüenta... Até seu endereço, se você for chegada num chek-in! Mesmo assim, tu não vai me dar teu número?
- Claro que não. Celular é demais!
- Tá certo. Vou desvendar seus gostos, ver sua idade, ver que cantores você escuta. Vou saber da sua rotina! Vou interagir contigo. Mas queria você analógica.
- Ave! Analógica. Mas tu perturba viu?!
- Ainda mais linda enfezada! Eita, que a raiva é mais divina que a calmaria.
- Cara, desiste! Tô indo aqui pegar meu ônibus...

E ela saiu andando. As costas queimavam, e a vontade de virar e olhar o porquê de ele ter parado de segui-la foi maior. Ele gritou:

- Eu só preciso de oito números, que vão me garantir a felicidade o resto do dia. Plisi, dont go! Faça alguém feliz. Me faça feliz.
- Ai como é brega...
- O que seria do mundo sem os excessos de breguice?

E dessa vez, foi ele quem sorriu. Amplo, calmo, encanto. Ela estremeceu. No fundo de sua alma, alguém sussurrou: “lerda!”. Ela, então, tirou da bolsa, papel e caneta. E quando olhou pra frente, viu felicidade materializada naquele olhar de menino abobalhado.

- Taqui ó. Agora, por favor, sem excessos.
- Fica parada!
- Pra quê? Vai me assaltar?
- Não, só vou te roubar coisas mais pra frente. Agora só quero guardar na mente a tua beleza completa. Sua linda!

E saiu correndo pela rua, balançado por sorrisos múltiplos. Ela ficou ali, besta e até perdeu o ônibus.

Um comentário:

Igor Pontes disse...

Escrever, de certa maneira é criar imagens. Imagens que podem se mover com o uso
da imaginação, mas isso é coisa mais do leitor. Ao ler, senti as imagens em movimento, então como um filme, todo o texto passeia em meu ser como uma bela
imagem de um inicio, de fato, um casal. Adorei, querendo ler o resto o quanto antes!