terça-feira, 16 de agosto de 2011

Por que flores também nascem em destroços...


“Alguém escreve para tratar de responder às perguntas que lhe zumbem na cabeça - moscas tenazes que perturbam o sono; e o
que alguém escreve pode adquirir sentido coletivo quando, de alguma maneira, coincide com a necessidade social de resposta”.
Eduardo Galeano

Um amigo me ensinou que transformação social começa em você. E pra ensinar não é preciso só se vestir de discursos. Nem basta só levantar o debate. Seja em palavras, atos, alegrias. E você fica se pensando. E pensa. E reflete os atos cotidianos, as falas de cada hora, os olhares em pormenores.

Esse anseio, tão externo quanto interno, de ganas por mudar, de remediar problemas seculares, de reparar injustiças milenares, de acabar com discursos opressores vigentes e tão internalizados, até por quem se propõe a ir contra eles, é meio puro. É feito luz que brilha na alma humana. É feito flor, de pétalas macias, que fica a embelezar caminhos. É feito esses laços bons que te fazem encontrar pessoas com essa mesma inquietude. Pessoas que tanto e também carregam o tremor guevariano diante do injusto, das pequenas e grandes guerras, da dominação, da supressão dos sentimentos mais belos que a razão às vezes tapa. Comunhão, união, fraternidade, coletividade, respeito e cuidado pelo outro.

Repensar tradições, não engolir ideias prontas, varar por caminhos do outrem se faz necessário no mundo onde, como diria Drummond, “Caim não mata mais Abel, coloniza-o”. Me recuso a aceitar as verdades de cima, as pilhérias de quem é dono, as pancadas diárias de um destino inventado para dissimular e esconder conflitos e desigualdades sociais.

Não queria mais ver cansaços dissolvidos em fartas gargalhadas vazias, pra gerar esquecimento do fardo maior. Não me vejo dentro da prisão quadrada e brilhante, que devia ser janela de uma expressão popular. Da fala do eu, do nosso, do comum, sem critérios escusos de escolha de conteúdo. Não me ouço na caixa de som abafado, onde as falas comuns são minimizadas, as canções repetitivas, e a inteligência humana insultada, se aproveitando de um sistema que faz questão de dar poucas letras ao meu povo, e que lhe recusa até mesmo o sentar nos bancos arbitrários da instituição escola. Não me leio nessas páginas caras, que pro meu povo, faminto de tanto e sedento de alteração, enquadram uma segregação, posta pela educação qualificada, historicamente negada pelo Estado.

Pois que falam do otimismo da rede, que integra e democratiza... Mas mais uma vez, a falta de acesso às letras, aos conceitos e aos entendimentos formais privam meu povo de aprofundar o desenvolvimento de maneiras novas de expressão tão multiplicadas e que alcancem o mesmo meu povo, tanto e quanto a comunicação que não nos representa e não fala por nós. Embora, iniciativas brotem, frutíferas e consoladoras.

Chamam hegemonia, esse impor sobre o meu povo. Eu chamaria puro medo disfarçado. É mais fácil mesmo atomizar. Uma mente só jamais terá a mesma força que muitas mentes. O poder da mão com mão, de muitas mãos, é sempre quem muda o que está errado. Eu queria encher meus olhos desse tempo em que o círculo vai ser a organização social primeira, em que as cirandas não vão ser mais só alternativas.

E fica essa vontade, que, ainda bem, não é só minha, de abrir uns milhões de olhos, de gritar pruns milhões de ouvidos, pra fazer mover uns milhões de braços a clamar junto e mais bonito pelos ventos formosos da liberdade. Acho que vou continuar revendo sempre as ações, avaliando o meu certo, socializando luta, visões, contentamentos. Acho, não. Vou. Pois “eu sou muitas pessoas destroçadas” (Manoel de Barros), e quero reverter essa indignação em perspectiva...

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