quinta-feira, 30 de junho de 2011

A minha tragédia?

A minha tragédia

Por Florbela Espanca




















Tenho ódio à luz e raiva à claridade

Do sol, alegre, quente, na subida.

Parece que a minh’alma é perseguida

Por um carrasco cheio de maldade!


Ó minha vã, inútil mocidade,

Trazes-me embriagada, entontecida! ...

Duns beijos que me deste noutra vida,

Trago em meus lábios roxos, a saudade! ..

.

Eu não gosto do sol, eu tenho medo

Que me leiam nos olhos o segredo

De não amar ninguém, de ser assim!


Gosto da Noite imensa, triste, preta,

Como esta estranha e doida borboleta

Que eu sinto sempre a voltejar em mim! ...



Autoretrato paint-ado


Autoextrato





Amor e vida de uma tampa


Era uma vez uma tampinha na rua. Me pisam todo dia, dizia. A pobre velha, era nova, contava. Havia 23 semanas tinha sido destampada, com aquele somzinho – pluftsss. Sentiu-se plena nos dois segundos que se seguiram. Quão intenso e vigorante foi aquele salto, quando o abridor enferrujado daquele bar de esquina, logo a desgrudara, permanentemente, do vidro gélido da mãe garrafa. E ela gritou pluftsss. Sentiu-se triste. Sentiu-se quente. Viu-se no ar. Subiu, para em seguida, descer e fazer-se feliz. Poderia morrer ali. E tal foi o tuco tuco que seu coração faria, se tivesse um, que logo o chão a amparou. Poin-oin-oins sucessivos. Descobriu-se ser de alumínio. E foi num solo de azulejo morno que reluziu naquilo que não sabia ser um espelho. Ou melhor, um pedaço de vidro espelhado refletor da imagem alheia.


Então, Tampa se viu ali, desamparada, sozinha. Até que, no meio segundo seguinte, Tampa foi levantada por gritos graves, gritos de olhos castanhos e puros. Tampa jamais vira olhos tão olhos antes. Era um ser bebedor diferente, pensou. Era um ser bebedor que sabia reconhecê-la , para além de estar cobrindo um líquido. Ou quem sabe, um ser bebedor que a vira ali, sozinha, e quisera cuidar dela.


Foram os vinte minutos mais amantes de sua vida de tampa. O ser bebedor a fazia saltar entre os dedos. Desvendara seu toque. Ele a olhava, a virava, a manipulava tão gentilmente, que talvez o coração de Tampa, se ela tivesse um, saltasse tão intensamente quanto seu afeto pelo ser bebedor. Mas como alegria de tampa é feito a pequenez do raio de sua circunferência, o ser bebedor a pôs no bolso, em momento-escuridão que a encheria de lágrimas, se tivesse olhos.


Foi tudo tão intenso e ao mesmo tempo tão breve, reclamou para a vida. Naquele estado, sem ver os olhos tão olhos do ser bebedor, só se nutria da lembrança vaga e forte dos minutos anteriores. Ele andava, e ela ali, meio apertada, podia sentir o calor do corpo do ser amado. No nada de luz, refletiu, refletiu e, quis saltar do bolso, mas não tinha pernas pra dar impulso. Pobre tampa. Tão delicadamente produzida em série. Suas inscrições de conteúdo eram tão pequenas que quase nem se podiam ler. Suas formas era tão perfeitamente simétricas, que agora nem podia se orgulhar de exibi-las, porque estava só, no bolso de quem amava.


No mundo das tampas, elas imaginam que quando se encontra o ser bebedor de olhos tão olhos da vida delas, e há o momento triste em que ela já não mais salta de seus dedos, vai parar num bolso. No mundo das tampas, elas acreditam que é neste momento que devem se mostrar mais amorosas e descer até o fundo do bolso. Mal sabia Tampa, que o segredo estava em subir, subir, como naquele instante em que foi destampada. Seria ai que o ser bebedor lhe veria diferente. Deixaria de ser mera peça da coleção de belas tampas que ele guardava no quarto. O quarto! Para onde o ser bebedor sempre levava tampa a tampa.


Reza a lenda que, numa noite qualquer, o ser bebedor, até destampa uma tampinha frente à coleção inteira.


Só e num escuro de bolso, tão longe e tão perto do coração-amor do ser bebedor, Tampa sentiu-se abraçada, por dedos que não eram os mesmos da tarde que terminara. Eram dedos finos e de extremidades esmaltadas. Eles logo tiraram Tampa da escuridão. E lhe levaram a lata do lixo. Era um mundo bem além do fedorento. Era um mundo variado e colorido, no qual sempre se via amigos pedaços partirem aos montes rumo a algo cujo barulho assustava tampa. Ela sempre restava, presa que tratava de ficar nas brechas do grande balde-casa.


Depois que resolveu se tacar fora do balde-casa, Tampa se via chutada por um pé e outro, pés que não tinham olhos tão olhos, mas que sempre a levavam à aventura do salto e ao lamento do lugar nenhum. Só que Tampa, por esses dias, resolvera. Andava sendo chutada por pés-destino e foi bater na beirada da calçada de uma casa de sorriso na janela.


Suja, amassadinha e com as inscrições de conteúdo ilegíveis – bem mais na parte interna que por fora -, Tampa foi apanhada por dedos-encanto. Eram leves e firmes, seguros, podia sentir, seguros, posto que quando olhou os olhos daquele outro ser bebedor, quase não pode deixar de chorar. Embora, fosse apenas o orvalho da noite que tivesse caído em sua tez metálica, o efeito de emoção cristalizou os olhos ainda mais olhos do ser bebedor, que achou aquela tampinha desgastada a mais bela tampa que já encontrara na calçada do seu bar. Tão linda que a achou, desamassou-lhe as dobras de suas emoções aos pouquinhos, e esguichou tintas de carinho que pintaram uma flor na parte de cima de Tampa.


Ah, o que será isso?, indagou-se. Como pode uma tampa estar tão completa sem uma garrafa por tampar? E lá, ela foi levada, para um painel lindíssimo de tampinhas recicladas, de tampinhas-adorno, como ela jamais pudesse ter imaginado que existisse. E amigas-tampas compartilharam com ela suas experiências de amor e vida de Tampa. Só que era costume, tradição que fosse, sempre o ser bebedor vir e escolher uma ou duas para levar ao paraíso.


Mas aqui, com vocês e as visitas do ser bebedor com olhos mais que olhos, já é o paraíso, concluiu Tampa. Claro que não!, corrigiu a outra tampa. O para sempre é quando você acha sua garrafa e resguarda o conteúdo que ela oferece, revelou a tampa à Tampa. Disse ainda, que quando o ser bebedor vem e leva é para selar-se com uma garrafa tão linda, vivida e de conteúdo decorativo-esplendoroso. E que, de fato, não vai ser mais destampada, pois a união é feita com superbonder. Tampa e garrafa ficam lindos na estante do bar do ser bebedor de olhos mais que olhos. São a pura aparência da concretização do amor em pequenos detalhes.


Mal posso esperar pela minha vez de ser arrebatada, falou a Tampa. Mal fecharia a boca, se tivesse uma, foi retirada do painel, levada à mesa, salpicada de cola maluca e unida eternamente à uma linda garrafa, linda e linda. As mãos do ser bebedor levaram o casal à estante, que suportava outros casais também completos naquela monotonia toda linda. E eles viveram felizes para sempre. ..


Not. Depois de verem a vizinha tampa perder o marido garrafa de uma queda, se quebrando em mil vidrilhos, Tampa e Seu Garrafa foram comprados por um casal de turistas, que os deixou solitários em uma mesinha de uma sala gigante. Vez por outra, caia uma tampa nova no chão, em alguma festa, e Tampa se lembrava do seu pluftsss. Bons tempos, boas coisas, recordava.


domingo, 26 de junho de 2011

A exata medida da ressaca


Despertar parece ato cada vez mais adiado. E quando acontece, um formigamento mental se instala, o quarto roda e as lembranças da noite anterior consolam o mal estar. Uma veia percorre a tez e pulsa compulsivamente. Toda uma cabeça pesa e os membros molengozos sentem necessidade de acolchoar-se. A vista ainda é turva e um enjôo constante, com picos de náuseas semi-vômitos, persiste.


Mesmo regada frequentemente, a desidratação, parece ali infinita. Pugilistas, que você desconhecia a existência, continuam a esmurrar internamente sua cabeça. Um sorvete chega ao estômago e parece forasteiro recebido com festa espalhafatosa que precede sacrifício, expulsão. A menos que todo esse conjunto de sensações não venha acompanhado pelo peso de ter se excedido em atos e palavras, além do álcool, no dia seguinte está tudo certo.


Ouvir seu pai ironizar: “tá de ressaca, minha filha?!”, talvez seja a pior parte. Só resta esperar pela próxima hora de beber e se divertir com os amigos. O domingo se espreguiça lentamente e toma um susto quando o celular toca. Outro convite para a farra. É, não precisava ser tão rápido. A sede é mais forte e o aceite sai. Dessa vez,nada de brincar de hibridismo etílico - chopp de vinho, cerveja, tequila ou whisk têm sabores melhores se degustados unicamente, tsc tsc. É preciso crescer e tomar escolhas por noite. Anotar pra não esquecer isso no próximo sábado.


sábado, 25 de junho de 2011

As certezas são muito chatas...


Flor tinha espirrado com a poeira das passagens que relia. Fechou o livro, cujas ideias pesavam em suas mãos e mente. Todos na casa dormiam. Era, a cachorrinha malina e, Cidreira, o gatinho de olhos indecisos. Tateou na semi-iluminada pequenez da sala colorida e tropeçou num azulejo. Diabéisso, pensou. Isso é que dá, morar numa casinha velha dessas, tão linda, minha e conflituosa, concluiu pra si própria. Alcançou o interruptor de design arcaico e apertou-o. A tomada tinha uma moldura com ondulações e retorcimentos, como quem delira. Estilo eclético, misturada de elementos barrocos, rococós, e sujeira nas escavações. Desistiu de entender aquela origem da luz e caminhou rumo ao lugar que tropeçara.


Baixou as vistas e foi lá examinar a causa de seu dedão estar latejando tanto. O retângulo parecia solto. Podia recolocá-lo no lugar, porém para isso, era necessário arrancá-lo. Tentou puxá-lo, mas a única coisa que conseguiu foi quebrar a unha que demorou três semanas para crescer e impressionar a amiga. Pelo menos já a havia mostrado à amiga. Tacou-se no quarto e só retornou quando na mão direita figurava um palito novinho que usava para limpar restos de esmaltes e empurrar cutículas. Enfiou o pedaço cilíndrico e fino de madeira na brecha entre um azulejo e outro. Após forçar, levantou o azulejo meio azul, meio amarelo, meio imundinho.


Tal foi a surpresa nos olhos daquela menina, quando meio que brilhou dentro daquele buraco que fizera no canto esquerdo de sua sala, uma chave. Estava coberta duma areia porosa que um dia fora cimento, aliança que unira o chão quente ao azulejo frio. Tirou o metalzinho de textura craquelé do lugar, deu-lhe uma limpada, múltiplas assopradas, esfregou na barra do vestido de crepe, até que parecia decente.


Arre égua, como pode isso?, pronunciou baixinho. Sentou no sofá velho, recoberto de mantas e, ficou olhando a chavinha. Era bonita, bonitinha. Comprida, tinha numa das pontas, vários círculos e buraquinhos, que cerceavam algo semelhante a um coração. Quase parecia uma chave de fenda apaixonada. As bolinhas seguiam e se transformava mais acima em uma haste de três curvinhas. Era como se um anãozinho de trinta centímetros tivesse apertado, com suas minúsculas mãozinhas de força estupenda, e deixado as marcas dos seus dedos por ali, pra todo o sempre. Só de um lado, porque do outro, não eram curvas que adornavam a pequena chave.


Esse outro lado era liso, e a maciez do metal era molestada somente por um pequeno relevo amontanhado. Quando se acabava a haste de três curvas e uma montanhinha, logo assimetricamente, uma configuração disforme tinha perfurações também circulares. Três furos menores, com raios que diminuíam em proporção aritmética. O buraco maior parecia uma briga de círculos famintos e devoradores um do outro. Mas logo nessa fenda nascia uma argolinha, cuja irmã menor se encontrava do lado de fora, na beirada da chave. E no topo da bichinha, um cristal arranhadíssimo, encravado tortamente num meio de círculo.


Depois de ver e enxergar aquele bocadinho de detalhes dementes, Flor achou a chave feia. Quase sentiu vontade de sepulcrá-la novamente debaixo daquele azulejo. Mas curiosidade é coceira que só passa com pomada de soluções. E daí a moça se inquietou. Foi regar suas plantinhas, com ganas de quem acha que programas chatos e caridosos enriquecem a alma e amaciam os tormentos. Quem dera. Matutou e nada de ver lógica naquilo tudo.


Estava ali, às quatro e quinze da manhã, com uma chave na mão, um azulejo e vários parafusos fora do lugar. Tinha tantas hipóteses tão absurdas na cabeça, que se cansou. A velhinha, que morava ali antes dela, podia ter sido bela nos seus anos de moça, e daí, teria tido um dote, guardado em um baú, cuja chave era aquela. O amado da velhinha podia ter fugido com o dote, depois de ter arrombado o baú, e a pobre da Dona Toinha - a velhinha -, tinha enterrado a chave ali, junto com seu amor traído. Claro que não!, refletiu. Ave Maria, tu acha!?, claro que não, claro que não...


E se, e se... ah! E se quando a casa estava sendo construída, um dos pedreiros simplesmente colocou a chave ali. A chave poderia ser do diário da filha dele, que o moço acabara de ler e descobrir que a menina perdera a donzelice. De raiva, queimara o diário e jogara a chave debaixo de seu trabalho. Hum, acho que não!, ultimou. E se for uma macumba? E se for de esquecimento? e se for de uma porta?.. Flor achou melhor desistir. Provavelmente nunca saberia sobre a origem da chavinha meio feia, meio bonita.


Se consolou com o fato da chave ser mais bela assim, toda cheia de mistérios. No fundo as coisas são só coisas. O que importa é a história por trás delas. E como Flor não sabia a verdade, podia botar na chave a história que quisesse. Era mais interessante. Tinha uma virgula de frustração, mas quando controlou a coceira da curiosidade, tirou do porta-bijuterias que tinha ganhado do ex-namorado, um cordão e meteu-o pelo buraquinho da chave. Ganhou um novo adorno. Amuletou a chave, fez pingente guardador que não tirou mais do pescoço. Desde então, esqueceu da história e só recorda de vez em quando. Toda vez que alguém pergunta de onde é aquela chave estranha, ou quando seu peito se sente pesado.


O objeto adquiriu significado, ganhou valor. Ficou parte dela agora. Depois venderia num brechó qualquer. Enquanto isso, aquele pingente feio integraria sua monotonia. Descobriu que mondrongos podem ser encantadores e necessários.


sexta-feira, 24 de junho de 2011

Nada que mate tão rapidamente...


Me toquei que a solidão é tão libertária. Por isso sempre ando tomando uns chazinhos de só. Cigarro à punho, misturo pensamentos com ideias cantadas em vozes doces, arranjos rasgantes.


Livre ser, livre para poder fazer o que se acha que é escolha própria. Aquilo que é tão somente escolha quanto condição. Tomar deliciosos venenos. Nada que mate tão rapidamente. Sentir líquidos negros descerem garganta abaixo, desgastando todo um organismo que mal consegue digerir felicidades. Sempre com dúvidas dissolvidas em azias. Livre para acreditar em ideologias estabelecidas como libertárias, em discursos prontos vestidos de novas e velhas palavras, em recursos repetidos, em métodos senis.


Passear por ai sem rumo é desculpa esfarrapada pra ter o melhor rumo. É ter ganas de achar o não se achar. É sempre se atrair pelo que se acha ser o melhor sem rumo já testado , mesmo inconscientemente. É pular de vez em quando as amarras , os laços, os muros de vidro. Testar o diferente já é tão clichê. Ecletismos são comuns demais para ser livre com eles. Buscar clássicos, renovar modernidades, tudo é tão desmanchar sólidos no ar. Efetivamente, nada é sinônimo de apoderar-se do momento, sempre conceitos de vicissitudes excêntricas.


Ideias idosas, de séculos atrás sempre revisitadas, numa circularidade nauseante. Chatas, até que se identifique. Apaixonantes, quando diagramadas nas grades certas. Se é que estão certas. E para que servem as ideias? Para calar o ronco da mente. Ando tendo uma mente faminta. Só que conceitos aprisionam, vez por outra.


As ideias são como os homens [fala de mulher]. É preciso conhecer, chatear-se com algumas vicissitudes excêntricas, identificar-se, e por fim, apaixonar-se, mas sem jamais deixar-se aprisionar. Vez por outra, diria.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Ah... as relações humanas!


Calmarias perturbadoras assombram dias felizes. Laços de fita baratos enfeitam saias de moças feias, sensatas, perdidas. Lugares comuns traspassam a segurança que os eus não decidem querer. Latências se fazem dormências. Choques se batem em paredes. Excessos são dedos de Deus, passarinhos voando pelas árvores de um paraíso que vive em dois nervos preservados e cobertos por uma flor de crochê. Em terceira camada, diria. Uma lua cheia no céu preenche olhos vazios, cansados. Bibelôs parecem poucos e insatisfazem. Juntar, montar, desistir. Universos paralelos parecem não ser tão distantes. Pois que laços são efemeridades.

Laços são tempo em nó pouco cego. Sempre desgastáveis por ações externas. Desfazem-se com vento, tem medo de tempestades. Esbarrões desmancham laços de vida pouco cuidados. Fazem o pano do laço afinar-se, desvair-se, dissolver-se... Laços dão beleza. São construídos por mãos que pretendem prender felicidade. Laços são obsessivos. Laços são as formas mais belas de encarceramento. Negam a liberdade inerente nas células unidas ali por um nada. Laços parecem felizes, porém nada mais são do que correntes maquiadas. Mas há quem goste de correntes. E há quem goste de correntes que aparentam.


Continuamos vestindo as coisas de coisas bonitinhas. O que é fofo fora e feio dentro. Como um bombom com recheio azedo. No fim o azedo é estranhamento e necessidade de repetição. O feio de dentro se torna costume e o fofo de fora encapa a rotina. Roupas. Para isso que a usamos. Nudez seria banalizar o sagrado, o feio, o carnal, a verdade, a origem. Vestimos, para despir melhor. Cobrimos para evitar despir. Apenas nas horas certas.


E os dias frios pedem roupas mais sólidas, menos fluidas. E os dias cinzas pedem roupas e sorrisos coloridos. E os dias pedem. E os laços são atados em dias que pedem. São desgastados com roupas mais sólidas. São apertados por sorrisos coloridos. Alguém devia despir os laços. Alguém podia rasgar as correntes. Vou ali, atar fitas soltas, livres, coloridas, esvoaçantes.

domingo, 5 de junho de 2011

Solidões indignas


Sentada num tronco, observava. Céu e mar fundiam-se num negror espesso, convidativo, amedrontador. Uma nuvem rasa e profunda, redonda, translúcida, se misturava ora ou outra com a fumaça que vagarosamente ela expelia pela boca trêmula. Pingavam do céu dois grupos íntimos de pontos luminosos. Pensou de quando oferecera estrelas de felicidade e recebera indiferença. Resolveu amar as estrelinhas. A vista turva já não conseguia distingui-las. Lindas, lá em cima, brilhinhos faiscantes, soltavam beijocas pra ela. E ficou. Outra luz movimentou-se no alto. Numa velocidade que chegou aos seus ouvidos. Lembrou de como podia naquela hora tão mística vir os resquícios de sua época atrapalhar a paisagem que vivia, efêmera. Transformou aquela modernidade em parte de tudo e curtiu. O vento frio soprou nuns ouvidos sonolentos canções embluesadas, gostosas. Ondas vinham branquinhas. Competiam, umas com as outras, batiam-se, desmanchavam-se manhosas e morriam. Era uma solidão acompanhada. Alguém via seu perfil na noite. Olhou, não era ninguém. Tragou uma última vez e apagou a pontinha na areia que nem sequer estava molhada. Só fria.

Abraçou-se a si mesma e enovelou-se nas vistas que tinha. Teve medo daquele momento. Era belo e era forte. Solidões de praia em festas não eram dignas. Levantou-se e bambeou pelo chão de minúsculas montanhas e vales para seres microscópicos. Se sentiu gigante, estava tonta. Decidiu ir embora. Não sem antes dançar a ciranda.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Eu era...


Achei. E fiquei triste por não lembrar de um tempo em que a verdade não doía mais do que cinco minutos. Em que os mandamentos eram sagrados. Em que amor era coisa de gente grande.