terça-feira, 5 de abril de 2011

Me viro hipérbole


Tenho um ano mais que duas décadas. E às vezes me espanto com o que já vivi em números, veias, janelas de ônibus. Não me refiro a quantidades. Já prefiro afundar. Embora bem lá no fundo eu flutue. Minha dispersão é a vertigem-auxílio no enfrentamento do real. Gosto de hiperbolizar. Mas minimizo quando é preciso. Faço do sofrer grande coisa. Descasco alegrias em fundos de poço, pra não explodir em gotículas. Me dizem que sou setenta por cento água. Me seco nas noites. E eu nem tomo água direito.

A chuva é triste. A alegria é multicolor. A gota é multicolor e é da chuva. A gota é triste e alegre. A tristeza é alegre. Divido pensamentos com a chuva. Ela embaça o vidro. Ela o limpa. A rua fica cheia de verrugas transparentes, que se desprendem e escorrem acariciando o vidro sujo. A rua passa, a gota desce, e eu parada. Tenho uma ida. E vivo indo. Passando por tudo. Olhando meio embaçado.

Mas na chuva vi a beleza da vida. Ela deixa a rua bonita. E a gota, é criancinha, coletiva, adorada. Em terra de seca, adorada. Meio círculo, meio oval. A gota é flor. É indício, queda, alvorada. É recado, caminho, fim e princípio. Ela me anima. Estimula, porque só age junta, em grupo, comunidade fluvial na formação do todo: a chuva. A gota sozinha, é bela, mas melancólica. A gota sou eu me mirando nela. É o lado, meu irmão. O pra além, o aqui dentro.

Desejei me transportar pra dentro da gota. E viver ali, vendo tudo e sendo nada. Flutuando.

Flutuei e quase perco o ponto de descer. Dez metros, e um exército de gotinhas me encharcam. Corro e elas esmurram e afagam meu rosto. Me assustam metralhando um telhado de alumínio no qual me abrigo. Vejo milhares de suicídios de gotas. Quando as quedas cessam, lá vou eu me secar com trabalho. Mas tenho a alegria das gotas em mim agora.

Nenhum comentário: