quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Tentações policromáticas de percepção. Não, não estava drogada...


Por que não se lembrou quando tinha sentido a última flor que olhara. Na passagem por algum terreno baldio? Tinha muitas flores por si. Era Flor afinal. No cabelo, no vestido, na sandália. Mas esqueceu a última vez em que tocara a maciez de uma verdadeira flor. Pouco tempo. Atenção dispensada a assuntos mais importantes. Tudo era mais importante. Não pintava mais flores. Não bordava mais flores. Não tecia mais flores. Pedras-caminho, estradas de terra que teimavam em empoeirar seus olhos cansados, chorosos. Menina.


Deixou o lilás de lado, pelo vermelho ardente. Essas manias de cores que perpassam a vida. Cromomaníaca. Monocromática. Fluidez, auxilio. Passou a perceber por melhor em que condições cromáticas os lugares e as pessoas iam levando. Notou. Ateou fogo na visão já turva das interpretações errôneas. Buscou se esquivar dos vieses políticos das cores. Flor, a bichinha tava tão cismada com essas peripécias da refração, que achou de en-di-rei-tar a santa da entrada. Manto azul, que coisa. Fosse assim, danada da esquerda, perderiam céus e mares, restando-lhe apenas o sangue, o pecado, o inferno. Antes isso que a calma passiva_conformista. Pensou. Passados tais devaneios estupefatos, foi tratar de mais associações bestiais. Menina.

Os elementos vitais - fogo, terra, água e mar – vistos de filmes, extrapolados, miticamente, estranhos, acabaram por parecer-lhe acolhedores. Não ia buscar filosofias do Seisho no Ie ou o feng shui. Era sistemática demais pra isso. Logo se cansaria. Embora o orientalismo já muito na moda desde algumas décadas a atraísse. Aprendeu a repetir uns mantrinhas. Enjoou. Era legal até que as pessoas começaram a olhar estranho demais pra ela no ônibus. Nada de espirais do silêncio. Já havia superado isso. Prometidas mudanças intempestivas a si própria, bailou com a meditação indiana. Até apaziguar seus foguetes nordestinos de personalidade dos trópicos. Desculpa.


Retratou-se com seu ego, na medida em que destruía a intolerância ao apego da pequenez. Nada de plásticos, diria. Um ou outro apenas. Tinha a desculpa da lógica de mercado na qual estava inserida. Tadinha. Concentrar-se-ia nas coisas miúdas, mas não nas do mundo, espúrio, infeliz, sim nos laços naturais, encolhidos pela crise do capital. Estranhou. Negócio de naturalismos. Tentou até ser vegetariana. Conseguiu. Durante uma semana inteira. Mastigou aqueles vegetais sem gosto, gosto de mato. Ow sanduichezinho horroroso aquele de molho de cenoura. Retorcia-se ao lembrar. As delícias da carne nunca lhe atraíram tanto como naquele rodízio de carne, na festa de aniversário do namorado. Antes, não provava maminhas, alcatras, bifões por pura despretensão. Agora, a lembrança da torta de beterraba a fazia salivar com um convite prum churrasco. Ode ao carvão.


Refletir é quebrar. Assim como quando a luz monocromática extirpa uma cor na refração, o pensamento se desfaz na variedade de idéias num plano. A luminosidade vai tornar a visão diferente. Seja em conceitos ou em tonalidades. Flor sabia disso agora. Partiria dali em diante com outros mantras e concepções mais eficazes na ponta da língua. Bateria na porta certa. Varreria caminhos com olhares buscadores de flores. E jardinaria os pedaços de sua vida carcomidos por ervas mais daninhas que em contos de fadas. Não, não estava drogada. Um pena. Era fraca demais para as ervas.

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