segunda-feira, 11 de outubro de 2010

E procurou até achar o que já tinha


E foi vestida da carcaça trepida de alegria. Não parecia, mas era mais fina que papel vegetal. Não tão translúcida, mas mais amanteigada. Preenchia-se com os vácuos de tristeza em ondas milimétricas que lhe tocavam o rosto ternamente. A dor do frio tornava o pé esquerdo travesso. Cessou. A música do ônibus fazia da paisagem, que corria vista pela janela suja, mera ilustração contemporânea de cinema trash. Figurativismo. Semi parnasianismo de deleites sofridos e estranhos. Bilac poderia descrever aquilo mesmo morto. Chico não estava mais aqui para isso. E ela não tinha poderes de escrever. Fato.

Poderia até psicografar o que o vento dizia, mas a zuada do motor do ônibus não estava deixando. E por cima de tudo, não tinha caneta nem vontade. Ninguém fica escrevendo besteiras, sentimentos, sopros de vento na Av. João Pessoa. Ainda se fosse um nome menos opressor vá lá. Tinha esquecido o livro democrático conceitual. Não ia se concentrar mesmo, com tantos barulhinhos que queriam lhe dizer. Sonhos, futuros, verdades.

Os saltos das rodas gigantes lhe traziam muitas lembranças. Sempre desejou companheirismos no transporte coletivo. Teve demais por alguns anos. Descobriu que se desejasse muito uma coisa, teria. Em excesso até. Enjoativamente. Por quê? Perguntou-se. Desejou muito, teve muito. Não há contradição nisso. Gostava de excessos. O mesmo lugar de onde vinha a concretização dos desejos estava lhe penalizando. Os egos errantes que não sabem crescer comedidamente recebem castigos. Todos garotos buliçosos. Breguices.

Saltou na parada devida. Esquina escura, tranquila pela lua cheia. Saudades dela, nunca mais havia a visto. Redondinha, faceira. Eram bobas as duas, a iluminar mentes fúteis, caminhos errados, mentiras consoladoras. E foi por lá, ultrapassando caminhões e mobiletes. As crianças da sua rua brincavam histéricas um futebol inventado. Sentiu ternura por elas. Apesar de não gostar de suas mães fofoqueiras, elas não tinham culpa. Fez figura de linguagem com os cabelos pras três mulheres sentadas no tronco tosco. Foi comprar um pastel na vizinha.

Nenhum comentário: