sábado, 31 de julho de 2010

Seu tempo. Não tinha...


Era um dia de verão. Ai, o que eu estou dizendo. Aqui é sempre verão. Enfim. Flor regou-se - leia-se tomou banho- e saiu naquela manhã quente. Vívida, esplêndida, de escaldar. Ainda bem que não era realmente uma flor. Caso contrário, tamanha seria a fotossíntese. Pedalante, apenas refrescada pelo vento marítimo_praieiro que vinha de longe e conseguia até escapar dos paredões de prédios dos bairros nobres da cidade. Sorrateira, assim como o vento, Flor seguia com sua possante bicicleta. Ahhh essas manias de natureza! Ambas, magrelas, ágeis, cambaleantes. Não era hippie. Não tinha nem tempo nem dinheiro pra isso. Embora suas roupas levantassem séria desconfiança em alguns. Poucos, mas sólidos. Algo lhe chamou a atenção. Flores. Não diga. Essas eram diferentes. Eram de uma singular beleza estonteante. Talvez fosse o calor. Ela não tinha tempo pra flores. Quem tinha tempo pra flores? Ela não. Seguiu. Tinha que comprar esmaltes. Enjoara das tonalidades que fazia com as misturas escabrosas. Verdes, laranjas, cintilantes, rosas, bregas, cansou. Queria algo diferente. Pras unhas e pra sua vida. Porquê? Também não tinha tempo para isso agora. Que horas já poderiam ser? Até parece. Flor não gosta de relógios. Eles contam o tempo. Limitam, marcam, apontam. Ainda bem que não tinha um relógio. Já tinha uma desculpa. Enganou-se.


Desescorou a bicicletinha roxa da parede do barzinho de esquina. Lá, um senhor sentado, cabelos crespos e velhos olhava a vida passar todas as tardes. As pessoas, os carros, os bêbados. Ninguém o notava. Talvez fosse culpa de seus olhos baixos, mornos. Ninguém gosta de gente assim, cabisbaixa. Flor parou de analisá-lo. Analisar resulta em críticas. E ela não tinha tempo pra isso agora. Talvez outra vez. Oh! O homenzinho era mais um João. Desses do meu grande país subdesenvolvido e injusto. Era só mais um João. De trajetória longa e sofrida, muitos ensinos a dar, arranhões que escondem maravilhosas histórias. Um dia Flor poderia parar e perguntar a ele sobre uma delas. Mas agora o intento de Flor era único e nobre. O esmalte. Sabe-se – todos sabem – que os distribuidores das grandes marcas de esmalte produzem cores que despertam desejos, sentimentos, emoções. Até ai poderia ser apenas conversa_discurso da publicidade ruim. Todavia, algumas cores, se misturadas a outras, produzem efeitos alucinógenos à visão invejosa das amigas mais próximas. E das distantes. Unhas perfeitas, de texturas inacreditáveis só são possíveis quando há a mistura também perfeita. A fórmula é simples. Um bocadim de uma cor que embaça as vistas. Mais um bocadim de outra cor morta, quase tom pastel, fundo do mar, alga, ou algo parecido. Uma manicure que não esteja se divorciando. Ou que não tenha crianças menores de dois anos por perto. Ou que faça ioga dharana. A última opção é a mais indicada. No entanto, essas artífices da cutícula são deveras mal remuneradas por seu brilhante trabalho. Então, assim como Flor, elas não tem dinheiro para pagar sua ioga. Oh vida_sistema injusto, Meu Deus. Voltemos às peripécias fúteis da menina Flor.


Lá, o senhor João vendia os frascos de esmalte barato. Imitações bem convincentes até serem abertas. Vendia também as grandes marcas. Agora a pergunta é? Por que um bar venderia esmaltes contrabandeados – e não drogas? Vai saber. Enfim. Seu João achava mais honesto. Ele era assim. Brasileiro. Flor saiu de lá feliz da vida. Seus olhos estavam quase tão vermelhos de emoção quanto um dos vidrinhos que carregava na sacola de plástico.


Enquanto andava, o vento batia de novo em seu rosto e em sua sacola. Provocava assim, estalidos nos vidrinhos. Eram cintilantes, como sininhos. Mas irritava. Flor não queria brincar como vento agora. Não tinha tempo pra isso. Quanto tempo poderia ter passado desde que saira de casa. Nem idéia. Suas contagens psicológicas sempre haviam falhado. Soprou com um bafejo mal humorado seus pensamentos. Cumprira sua missão. Agora estava feliz. Iria pra casa, arrumar-se e fazer as unhas. Era tudo que mais queria. Espantou-se com a pequenez de seus desejos. Aprontou seu mix. Gostou. Aquelas três cores sujas resultaram numa quarta cor suja. Mas era diferente vai. Limpar, lixar, passar base, passar o esmalte cremoso. Lembrou da infância vendo as unhas borradas. Era lúdico, entretia bastante aquilo. Tal qual suas brincadeiras com guache. Eh! E as cores também não eram muito diferentes. Resolveu por não passar cintilante. Esperou secar. Aquelas malditas nanobolhinhas de ar teimavam em pousar sobre a superfície de suas unhas. Deixou. Podia fingir que era uma nova textura. Tendência.


Acabando aquele dificílimo processo, quase um martírio encantador que ludibria, Flor foi ler. Marx?... Não. Pensou. Ninguém faz as unhas e vai ler Marx. É quase uma ofensa. Sheldon?... É, ela era muuuito eclética. Quintana... Voltaire... Sérgio Buarque de Hollanda... Pena... Balzac... Neruda... Passou às revistas. Amigos... Piauí! Conseguiu ler as esquinas em uma hora. Vazio. Era sábado. Não ia sair.Tinha feito as unhas e não ia sair. Não tinha dinheiro. Que graça tinha cumprir a missão, enfrentar o processo, analisar seu João, ver flores, enfrentar calores, voltar a infância, se agora não poderia sair. Queria ganhar mais, queria ter cortesias, queria ter sua vida de volta. Ah! Pelo menos foi divertido. Pensou. E dormiu.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Sempre só. Flor, realmente...

É tudo vazio. Plena, repleta, vestido de tecido barato, estampado. Flor. Ela se enche. Gasturas de vida. Pedais que passeiam a procura de algo que nunca vai encontrar. Desejos, intensos, mórbidos, desbaratados. Queria sair. Matando, sem motivo. Por não ter. Isso tudo não é fútil. Quem quer contestar o vago, o inóspito, o inútil, a preguiça? É perfeito pra ela que quer usar, desmembrar, vaguear. Ingerir. Pelo menos não por essas bandas. O preto dos olhos, das unhas, da alma. É vermelha como a natureza do seu ego errante. E que vibra mais que o celular que suplica uma chamada de retorno. Tantos, não são outros. São quantidade, qualidade, transitórios. E passam. Cafuçus. Porenquantos ardentes são pílulas que a ajudam a ir levando. Até que se chegue o dia/hora/momento ideal pra mais um recomeço que depois vai acabar. Até ai tudo bem.

Flor é mulher_guerreira_vaidade. Não olha pros lados por medo de cair. Nas graças, ela se entende com os outros. Não nasceu mulher, se tornou uma. Flor. Pelo menos é o que escreveu a senhorita de Beauvoir. Já sabia. Ela não. Queria estar em todos os momentos por ali, por acolá. Era tensa. Unha crescente como a lua daquele dia. Não tinha dinhe
iro pra pagar a ioga. Não tinha paciência. Tinha que ter, foi aprendendo. Inutilidades passaram a atraí-la. Flor saiu da sua janela habitual de grades para compor cenários de paisagens mais trabalhadas. Aqueles excessos a corroíam. A burguesia ainda fedia embora com tantos perfumes. O exclusivo marasmo enjoativo_pernóstico a induziu a pensar em outras possibilidades. Esmaltes, sapatos, comida. Umas – leia-se muitas - esfihas podiam resolver. Pena! O Habbib’s não aceitava cartão de crédito. Fora traída por seus depósitos de confiança. No banco, na cadeira, no seu ex-gato. O que faria agora, Perguntou-se. Ah, pena não viver mais, como na infância, pelos ares dos seriados mexicanos, de cenário pobre e roteiro rico e engraçado. Ainda tinha aquela blusa tão clichê quanto tatuagem, na qual figurava o grande CH. E as frases_jargão do Chaves e do Chapolin. Isso, isso, isso ou sigam-me os bons. Pensou: como assim? Seguir por seguir, ainda restava o twitter. Gostava de mergulhar de vez em quando. No mar, nas nuvens, ou nos seus pensamentos. Lascara-se algumas vezes por essa mania. Já inundou um travesseiro poeirento com dores remelentas de (uns) sujos. Por que agredir seus olhos, já tão cansados? Pensava. E dormia. Flor estava para desabrochar. A dor costuma obrar milagres. Acreditem.

Munida de luzes de narcisismo, que sempre a permeou reconditamente, ela foi. E foi pra ir mesmo. Vejam só. Tão pouquinha aquela... Era feito a do asfalto de Drummond. Nauseada. Mas era realmente uma flor. Supinpa, como ouviu em alguma séria velha da TV aberta – lisa, sem dinheiro pra TV a cabo – Flor andou. Rua acima, rua abaixo. O salto incomodava. Voltemos ao comum, o blá blá blá de sofrer pela beleza e tal. Enfim, ali estava ela brilhosa. Nem parecia aquela menina sofrida, de poucas viagens. Tá, vamos deixar de gongá-la. Chegou na porta da festa. Lá, ele. Deitou sobre ela seus olhos alcoólicos e ficou. Teso, parado, sem medir. Ou medindo. Tantas coisas, lembranças, pesares. Largou e veio cambaleante rumando a ela. Flor foi. Passo a passo, modelo de elegância nordestina, com a bolsinha de crochê. Elementos repetidos, cores, formas, texturas. Um perfume arisco, marcante, seguiu. Parecia até câmera lenta, mas não era. Puro nervosismo. De perto, o astigmatismo de Flor o deixou mais belo do que se lembrava. Camisa branca. Passou. Ave! Pensou, porque logo essa. Essa do aniversário. Meses atrás. Deixou pra lá. “O samba me persegue...”E ela começou. Pasmo, como uma Barbie dentro da caixa, ele a viu dançar como nunca fizera. Arreégua. Mudou mesmo.Lastimou-se o infeliz. É assim. Resolveu daquele momento em diante que a colheria pra si. Foi lá. Já era tarde. Flor estava em profundos beijos com o pseudo-intelecual de barbicha, olhos claros, pedantismo e cabelo estilo Fiuk_Che Guevara_vocalista da Calcinha Preta. Ha há há. Não podia se dar ao trabalho de ficar atrás. Era o rei da merda. Como assim? Pensou. A Flor aprenderia. Ela não poderia pintar as unhas de verde e sair beijando qualquer um que fizesse uma universidade pública para a qual ele não conseguira passar. Há há há! Queimava-se. Queixou a primeira loira que lhe desposou um olhar pedinte. Linda, musa, forte. Até demais! Retrucou pra si próprio. Algo lhe incomodava. Além dos apertos sólidos além da conta da loira e do fato de Flor o ignorar. Algo mais lhe incomodava. Além do volume que se contraia contra ele. Não era o seu. Não era a bolsa dela. Estava bêbado demais para averiguar. Esqueceu. Jogava pequenas rabissacas para Flor. Ela, esplêndida, continuava ali, com uma gelada Stella Artois na mão de unhas minúsculas e verdes. Foi retocar o batom que agora descia garganta abaixo do garoto de blusa_souvenir de Pernambuco. Ai meu Deus! Questionou-se. Como fiz aquilo. Bem doida. Era outra, era diva. E diva não tem arrependimentos. Diva é sempre diva. Segundo o comercial do sabonete Lux. Pensou. Fustigou a situação, provocou por que quis. Bem feito. Tudo de novo. Repetiu-se a cena ao som da banda bate-lenta, e das luzes piscantes das TVs espalhadas, com cenas que destoavam do ritmo reinante. Buarquices. Embalos de sábado a noite a movimentar gringos, marias, joãos, patrícias e maurícios. Fato. Ela cansou daquilo. Saiu dali, exausta. Não sabia o que estava doendo mais, se era seu orgulho, seu coração ou o solado de seus pés. É, essa bandinha é boa! Avaliou. Sentou no paralelepípedo rente a calçada. Chorou. A rua lhe chamava. Atendeu. Descalça, como toda boa bêbada em fim de festa, pelo asfalto. Voltemos a Drummond. “Uma flor nasceu na rua!Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.Uma flor ainda desbotada ilude a polícia, rompe o asfalto.Façam completo silêncio, paralisem os negócios,garanto que uma flor nasceu.Sua cor não se percebe.Suas pétalas não se abrem. Seu nome não está nos livros.É feia. Mas é realmente uma flor”.Até parece. Flor embarcou pela rua, em busca de novos vasos, onde pudesse ser plantada. Até ser colhida novamente. Entrou na boate seguinte.

Ora pra quê?

Intento. Me tentaram porque não era para ser. Eu sou.
O que voc
ê não precisa, sabe. E nem precisaria. Busca, caminho, intenção. Se me olha, me responde, me ajuda. O que quer que eu seja, jamais vai descobrir. Estou além do impensável. Certeira, estimulo, crochê. Como minha vó já me dizia. “Minina se aqueta e ama!”. Pra quê? Pelo prazer, pelo vivido, pelo sofrido. O experimentar. No assentamento das minhas idéias, invado tua essência pra tentar permitir teu eu em mim. Pra quê? Há perguntas sem respostas. Há clichês que não se repetem. Depende das interpretações. Sou o que eu pensar. O vazio, a noite, o sol. Basta me emprestar a luz, pra eu mostrar os infinitos do teu escuro. Me faz felicidade, já sou. Pequena, enrustida num copo d’água, num vaso de flores, em quatro toques, algumas letras. Espaço. Entre mim, entre você. A procura, o alcançar, o perder. Pra quê? Poderia até encontrar o que eu ainda não perdi. Mas ficaria completa demais. Essas coisas não me atraem. Não ter é melhor que estar. O movimento é instigante. Me balança nos teus braços fortes, seguros, de sopro. Me banha na tua chuva de ansiar. Intento. Pra quê? Vai saber...

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Assim, até que se prove o contrário


Sou só mais um coração machucado que vagueia pelas ruas da vida. Sou pura, toda, intensa. Veementemente convivo para viver. Nas leituras das tuas entrelinhas, eu me despeço das minhas interpretações erradas para te ter por algumas horas, dias, meses ou anos. Até que possa confiar, ou mesmo enjoar de ti. Eu? Nem me perguntem o que sou, quando sou, porque sou, não entendo. Só sou a flor que deixa cair as pétalas, feliz, já que o vento as tocou. Aquela que oprime e oprimiu por amar. Que tem medo da escuridão aos vinte anos. Sou a enchente nos lençóis da noite, porque chorar faz bem ao coração. Sou a invicta que perdeu mais uma batalha das muitas que estão por vir. E que viu que a felicidade se esconde no sofrimento. Adoro os clichês porque existo. Amo a diferença e os porquês. Sou o questionamento nos olhos do nada. O teclado, o monitor, o botão. Aceito, pois assim tem que ser. Até eu mudar de idéia. A música me embala e eu a levo comigo num canto preto/quadrado da minha bolsa de cetim. Lilás, roxa, tênue, vermelha ou – agora sei - verde. Mas o que nunca vou deixar de ser é a verdade no escuro da luz. Pequena, grave, metálica. Sou fruto e árvore de uma semente plantada por mãos que nunca mais vão me tocar. Sou aversão, curiosa, estreita. Como diz o antigo provérbio árabe: “Os cães ladram e a caravana passa”. Basta decidir ser, cães ou caravana. Já fiz minhas escolhas.